por Thiago Assis Brito de Souza, e
Enéas Xavier de Oliveira Jr.
Nas últimas semanas, o Conselho
Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba (COMDEMA) ocupou
posição de destaque na cena política e jurídica do município. O motivo foi a
apresentação do Projeto de Lei Complementar nº 16/2025,
encaminhado pelo Poder Executivo, que busca alterar profundamente a composição
e a estrutura diretiva do colegiado. A proposta pretende ampliar de três para
dezoito o número de representantes do Executivo no Conselho e retirar da
sociedade civil a prerrogativa de eleger a presidência e a vice-presidência,
entregando tais cargos diretamente ao governo municipal.
Essa iniciativa gerou imediata reação da sociedade civil organizada, de entidades representativas, da Comissão do Meio Ambiente da OAB de Piracicaba, do Ministério Público do Estado de São Paulo e também do próprio COMDEMA. A justificativa oficial da Prefeitura sustenta que a modificação teria como finalidade assegurar a chamada “paridade” entre governo e sociedade civil, argumento que tem sido amplamente contestado por se apoiar em números frágeis e desconsiderar a estrutura histórica de predominância social prevista na Lei Complementar nº 251/2010.
O embate ganhou intensidade quando o projeto foi incluído na pauta de votação da Câmara de Vereadores no dia 11 de setembro de 2025. No entanto, após a emissão de uma Recomendação Administrativa do Ministério Público, que apontou riscos de retrocesso democrático e ambiental, o presidente da Câmara, vereador Rerlison Rezende (PSDB), decidiu retirar o PLC da ordem do dia. A sessão da Câmara foi marcada por forte mobilização social, com o plenário lotado – principalmente por assessores e indicados pelo Executivo na tentativa de inviabilizar a participação popular na Casa do Povo. Mesmo representantes da OAB e do COMDEMA enfrentaram dificuldades no acesso à Câmara. A retirada do projeto da pauta expôs a fragilidade política do PLC nº 16/2025 diante da pressão institucional e social, reforçando a importância da democracia participativa e da legitimidade histórica do COMDEMA como espaço de diálogo e fiscalização.
O Instituto Aimara destaca-se como um dos principais articuladores da resistência, produzindo fundamentação jurídica qualificada, mobilizando entidades parceiras e defendendo a preservação da autonomia do Conselho frente às tentativas de captura política. Nossa principal preocupação é a defesa da democracia ambiental e dos direitos de participação no COMDEMA, com a manutenção da sociedade piracicabana como protagonista do debate ambiental.
Nesse cenário, torna-se indispensável compreender o que é o COMDEMA, sua trajetória, suas funções e competências, bem como analisar os impactos potenciais da aprovação do projeto de lei. Ao mesmo tempo, é fundamental destacar as manifestações das instituições envolvidas — o próprio Conselho, a OAB, o Ministério Público e o Instituto Aimara —, que convergem no sentido de apontar a inconstitucionalidade e o retrocesso representado pela proposta. A disputa em torno do PLC nº 16/2025 não se restringe a uma mudança legislativa específica, mas se insere em um debate mais amplo sobre os limites da intervenção do Executivo na governança ambiental e sobre a necessidade de resguardar a democracia ambiental e climática como garantia fundamental da coletividade.
1. O que é o COMDEMA?
O COMDEMA foi criado pela Lei Municipal nº 4.233, de 27 de dezembro de 1996, e consolidado posteriormente na Lei Complementar nº 251, de 12 de abril de 2010, que reúne a legislação ambiental do município. Trata-se de um órgão colegiado de caráter consultivo e deliberativo, integrante do Sistema Municipal de Meio Ambiente, com a função de formular, acompanhar e avaliar políticas ambientais em âmbito local. Desde sua criação, o COMDEMA tem se consolidado como um espaço institucional de diálogo entre o Poder Público e a sociedade civil organizada, conferindo legitimidade às decisões ambientais e fortalecendo a democracia participativa no município.
2. Quais são as finalidades e funções do COMDEMA?
A principal finalidade do COMDEMA é promover a discussão, análise e proposição de diretrizes das políticas públicas ambientais de Piracicaba. O Conselho atua em diversas áreas, entre as quais se destacam o planejamento urbano e ambiental, o uso e a ocupação do solo, a gestão de resíduos, os recursos hídricos, a arborização urbana, a poluição sonora e visual, bem como o saneamento básico.
Entre suas atribuições, cabe destacar: o estudo e a proposição de políticas ambientais e de recursos naturais; o estabelecimento de normas e padrões de qualidade ambiental; a recepção de denúncias da população e encaminhamento para os órgãos competentes; a proposição de medidas de recuperação de áreas degradadas; a deliberação sobre estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA) para licenciamento municipal; a proposição de unidades de conservação municipais; a homologação de acordos que transformem multas ambientais em medidas de recuperação; além da realização de audiências públicas sobre projetos de relevante impacto ambiental. Essas competências reforçam o caráter híbrido do órgão, que exerce tanto funções consultivas, emitindo pareceres e recomendações, quanto deliberativas, com decisões que afetam diretamente o processo de gestão ambiental do município.
3. Qual a importância do COMDEMA?
A importância do COMDEMA de Piracicaba reside na sua função de controle social e participação democrática. Ao integrar representantes do Poder Público e da sociedade civil, o Conselho garante que diferentes interesses, preocupações e perspectivas estejam presentes na formulação das políticas ambientais. Esse arranjo reforça a transparência e amplia a legitimidade das decisões, além de funcionar como mecanismo de prevenção de danos, já que o COMDEMA delibera sobre empreendimentos e projetos de impacto ambiental antes que estes sejam executados.
Na prática, o Conselho já se manifestou sobre projetos de ocupação do solo, sobre a supressão de árvores em áreas urbanas, sobre propostas legislativas municipais relacionadas à proteção ambiental e sobre iniciativas de valorização da cidadania ambiental, como o Prêmio Destaque Ambiental, que reconhece práticas exemplares de proteção ao meio ambiente desenvolvidas por escolas, empresas e cidadãos do município.
4. Qual é a estrutura e composição do COMDEMA?
O COMDEMA é composto atualmente por 21 cadeiras, divididas entre representantes do Poder Público e da sociedade civil.
No âmbito do Poder Público, integram o Conselho: a Prefeitura de Piracicaba, por meio de suas secretarias com interface ambiental (como a Secretaria de Defesa do Meio Ambiente e outras áreas técnicas), além de órgãos estaduais e de fiscalização, como a Polícia Ambiental e a CETESB.
Já a sociedade civil participa por meio de entidades ambientalistas, associações de bairro, representantes de classe profissional, instituições acadêmicas e de pesquisa, além de representantes do setor produtivo. Essa pluralidade assegura uma composição paritária, que impede a concentração de poder em apenas um setor.
A estrutura interna do COMDEMA é organizada em três instâncias: a Plenária, composta por todos os conselheiros, responsável por aprovar pareceres, deliberações e moções; a Diretoria, formada por presidente, vice-presidente e secretário, encarregada da condução administrativa e da representação oficial; e as Câmaras Técnicas e Comissões Especiais, criadas para o aprofundamento de temas específicos e elaboração de pareceres técnicos.
Os conselheiros têm mandato de dois anos, sendo as reuniões do Conselho ordinárias, abertas ao público e realizadas mensalmente, geralmente na segunda segunda-feira de cada mês. Esse formato garante transparência, assegura o direito de voz à população e reforça o papel do COMDEMA como espaço democrático e participativo na governança ambiental local.
5. O que é o Projeto de Lei Complementar nº 16/2025
Em agosto de 2025, o Prefeito Municipal de Piracicaba encaminhou à Câmara de Vereadores o Projeto de Lei Complementar nº 16/2025, que propõe alterações significativas na Lei Complementar nº 251/2010, responsável por consolidar a legislação ambiental do município. A proposta tem como eixo central a modificação da composição e da estrutura diretiva do COMDEMA, além da revisão de dispositivos sobre o processo de homologação dos conselheiros e exclusão de artigos do texto legal anterior .
Entre as mudanças mais relevantes, o projeto prevê que o Plenário do COMDEMA passe a contar com 18 representantes do Poder Executivo, todos indicados diretamente pelo Prefeito Municipal. Tal medida altera profundamente o equilíbrio vigente, uma vez que o conselho até então possuía forte predominância da sociedade civil. A justificativa apresentada pelo Executivo sustenta que a modificação buscaria garantir a chamada paridade entre governo e sociedade civil, afirmando que, como atualmente há 18 conselheiros da sociedade civil, seria necessário igualar o número de representantes governamentais para assegurar equilíbrio na composição .
Outra alteração importante introduzida pelo PLC 16/2025 diz respeito à Diretoria do COMDEMA. Pela proposta, o Presidente do colegiado deixaria de ser eleito entre os conselheiros da sociedade civil, passando a ser exercido automaticamente pelo Secretário Executivo de Meio Ambiente. O cargo de Vice-Presidente seria destinado a um representante do Poder Público, escolhido por votação secreta entre os conselheiros, e os cargos de Primeiro e Segundo Secretários ficariam reservados a representantes da sociedade civil, também eleitos por escrutínio secreto. Além disso, o projeto prevê que os secretários sejam apoiados por técnicos da Secretaria Executiva de Meio Ambiente para execução dos trabalhos administrativos .
No tocante à formalização da composição, o projeto simplifica o processo de homologação, determinando que a nomeação dos conselheiros seja publicada apenas no Diário Oficial do Município, revogando a exigência anterior de divulgação em jornal de grande circulação local. Também são revogados os §§ 2º e 4º do art. 10 e o art. 42 da Lei Complementar nº 251/2010, dispositivos que tratavam da admissão e exclusão de entidades da sociedade civil no conselho, o que pode reduzir a margem de atuação autônoma do próprio COMDEMA sobre sua composição .
A exposição de motivos do projeto sublinha que a prática de vincular a presidência de conselhos ambientais ao gestor público é adotada em esferas superiores, como o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e o CONSEMA (Conselho Estadual de Meio Ambiente), e que a medida reforçaria a institucionalidade. Ainda assim, a proposta tem suscitado preocupações no âmbito da sociedade civil organizada, pois pode resultar em maior controle do Executivo sobre o conselho, reduzindo a independência de suas deliberações e enfraquecendo a tradição de protagonismo social que marcou a trajetória do COMDEMA de Piracicaba.
Em síntese, o PLC nº 16/2025 se apresenta como um ponto de inflexão na história do Conselho: de um lado, o Executivo municipal sustenta que promove a paridade e a eficiência administrativa; de outro, críticos apontam riscos de centralização e esvaziamento da participação democrática no campo da governança ambiental.
6. O que o COMDEMA diz sobre o PLC nº 16/2025?
No dia 29 de agosto de 2025, o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba – COMDEMA, no exercício de suas atribuições legais e regimentais, apresentou manifestação contrária ao Projeto de Lei Complementar nº 16/2025, que visa alterar a Lei Complementar nº 251/2010, reguladora da composição e funcionamento do colegiado. O posicionamento foi subscrito por seu presidente, Odair Geraldo Penha Moral, e fundamenta-se em aspectos jurídicos, democráticos e constitucionais.
O primeiro ponto destacado pelo Conselho diz respeito à equivocada concepção de paridade defendida pela proposta. O Executivo argumenta que o COMDEMA deveria ser paritário, com 18 representantes da sociedade civil e 18 do governo. Contudo, conforme a legislação vigente, a composição total da sociedade civil corresponde a 16 cadeiras específicas (distribuídas entre entidades de defesa ambiental, associações de moradores, universidades, sindicatos, setor produtivo e entidades culturais e patrimoniais). Assim, o número utilizado na justificativa oficial carece de clareza e consistência, o que compromete a legitimidade da proposta.
Outro fundamento central é que a paridade numérica não equivale à equidade democrática. O Poder Público, por dispor de estrutura técnica e profissional, já se encontra em situação de vantagem para ocupar e influenciar colegiados, sobretudo porque suas representações são remuneradas e exercidas em horário de expediente. Assim, igualar numericamente os representantes não garante equilíbrio real, mas aprofunda o desequilíbrio de condições entre Estado e sociedade civil. Além disso, a tentativa de atribuir automaticamente a presidência do COMDEMA ao Secretário Executivo de Meio Ambiente contraria o processo eleitoral anteriormente validado pelo próprio secretário, que participou e anuiu com a eleição da mesa diretora. Essa medida, portanto, afronta a alternância democrática e enfraquece a representatividade plural do colegiado.
A manifestação também enfatiza a violação de parâmetros normativos e constitucionais. Cita-se a 2ª Conferência Nacional das Cidades, que fixou diretriz de composição dos conselhos em 40% de representantes do Poder Público e 60% da sociedade civil. O PLC nº 16/2025 ignora essa proporção, além de revogar dispositivos da Lei Complementar nº 251/2010 que tratavam da exclusão de entidades e pessoas participantes, ampliando o poder discricionário do Executivo e fragilizando a independência do Conselho. Da mesma forma, a revogação do art. 42 da lei municipal é considerada um retrocesso institucional, sem motivação clara e objetiva, em desacordo com o art. 225 da Constituição Federal e com o princípio da vedação ao retrocesso ambiental, já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, notadamente no voto do Min. Celso de Mello na ADI 3540/DF.
O COMDEMA também alerta que a alteração pode inviabilizar o licenciamento ambiental em âmbito municipal. A Deliberação Normativa nº 01/2024 do CONSEMA exige que conselhos municipais sejam de caráter “normativo e deliberativo”. Se a presidência e a vice-presidência forem concentradas no Executivo — justamente o setor interessado e fiscalizado nos processos de licenciamento —, restará comprometida a lisura e a independência da fiscalização ambiental.
Por fim, a manifestação recorda a trajetória histórica do COMDEMA, que há quase três décadas atua na defesa do meio ambiente em Piracicaba. O colegiado já foi reconhecido com nota máxima no programa Município VerdeAzul e recebeu o Prêmio Chico Mendes da Câmara Municipal em 2025, exemplos de sua relevância como instrumento de controle social. A aprovação do PLC nº 16/2025, segundo o Conselho, transformaria um espaço democrático e deliberativo em um órgão meramente consultivo ou decorativo, esvaziando sua função constitucional.
Em conclusão, o COMDEMA sustenta que a proposta representa um retrocesso democrático e socioambiental, afronta o art. 225 da Constituição Federal, o art. 193 da Constituição Estadual de São Paulo e a jurisprudência do STF (ADPF 747/2020 e ADI 6357/2020), e, por isso, deve ser integralmente rejeitada.
7. O que a Comissão do Meio Ambiente da OAB Piracicaba diz sobre o PLC nº 16/2025?
A Comissão de Meio Ambiente e Direito Urbanístico da 8ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em Piracicaba apresentou, em 11 de setembro de 2025, manifestação formal sobre o Projeto de Lei Complementar nº 16/2025, que altera a composição e a estrutura do COMDEMA. A análise realizada pela entidade destaca, de forma contundente, os riscos institucionais, jurídicos e democráticos que decorrem da aprovação da proposta.
O primeiro eixo de crítica refere-se à concentração excessiva de poder no Executivo municipal. Segundo a Comissão de Meio Ambiente da OAB, a estrutura desenhada pelo PLC nº 16/2025 resultaria em um desequilíbrio grave na governança ambiental local, na medida em que transfere a presidência e a vice-presidência do Conselho para cargos indicados diretamente pelo Prefeito. Essa mudança retira da sociedade civil a prerrogativa de participar de forma paritária e efetiva das instâncias de direção do colegiado. Na avaliação da Comissão, essa centralização viola princípios constitucionais e ambientais fundamentais, como o Princípio da Participação, que garante voz ativa à sociedade civil nos processos de decisão, e o Princípio da Informação e da Publicidade, que exigem transparência e pluralidade nos atos de gestão ambiental. Soma-se a isso a violação ao Princípio da Não Regressão Ambiental, que impede a supressão de níveis de proteção já conquistados ao longo dos anos.
O segundo aspecto destacado pela Comissão de Meio Ambiente da OAB é a restrição objetiva da participação social no âmbito do COMDEMA. A Comissão ressalta que o Conselho, ao longo de mais de três décadas, consolidou-se como um espaço deliberativo e consultivo, que representa a sociedade civil e contribui ativamente para a formulação das políticas públicas ambientais do município. Ao retirar a possibilidade de eleição da presidência e da vice-presidência pelos próprios conselheiros, o PLC reduz a autonomia do colegiado e transforma-o em um órgão vulnerável à vontade do Executivo. A consequência prática dessa alteração é a diminuição do pluralismo de pautas: segundo a OAB, as questões levadas à deliberação tenderão a refletir prioritariamente os interesses e prioridades do Prefeito e de sua equipe, deixando em segundo plano as demandas históricas da sociedade civil organizada em defesa do meio ambiente .
Um terceiro fundamento de mérito diz respeito à incompatibilidade do PLC com diretrizes nacionais sobre participação social em conselhos ambientais. A Comissão recorda que a 2ª Conferência Nacional das Cidades estabeleceu, como parâmetro, a composição de 60% de representantes da sociedade civil e 40% de representantes do Poder Público nos conselhos ambientais. Essa regra busca assegurar a efetividade do controle social, considerando as limitações estruturais que a sociedade civil enfrenta em comparação com o Estado. Ao impor uma suposta “paridade” entre Executivo e sociedade civil, o projeto desvirtua esse equilíbrio recomendado em âmbito nacional e amplia o poder discricionário do Prefeito, rompendo com padrões democráticos de governança ambiental e administrativa.
A análise da Comissão também enfatiza o retrocesso democrático e socioambiental representado pela proposta. A entidade ressalta que o COMDEMA, em mais de trinta anos de existência, foi construído como um espaço democrático, plural e de defesa da coletividade e da natureza. O colegiado tem histórico de atuação reconhecida, com a elaboração de pareceres técnicos relevantes e a fiscalização de ações do Poder Público e do setor privado, sendo peça central da política ambiental piracicabana. O PLC nº 16/2025, ao fragilizar a autonomia do Conselho, compromete essa trajetória e ameaça transformar o COMDEMA em mero órgão decorativo, esvaziando seu caráter deliberativo e reduzindo a participação popular em um campo sensível, que envolve o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado.
Por fim, a Comissão fundamenta sua rejeição ao projeto na proteção constitucional do meio ambiente. O parecer invoca expressamente o artigo 225 da Constituição Federal, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Qualquer medida legislativa que implique redução injustificada dos mecanismos de proteção ambiental, como a retirada de autonomia do COMDEMA, deve ser considerada inconstitucional. A Comissão, assim, manifesta-se claramente contrária à aprovação do PLC nº 16/2025, afirmando que ele representa ameaça direta ao texto constitucional, além de comprometer a continuidade de um modelo de gestão ambiental baseado em democracia participativa e controle social.
Em síntese, a análise de mérito da OAB Piracicaba conclui que o PLC nº 16/2025 fere princípios jurídicos fundamentais, afronta diretrizes nacionais de participação social, promove retrocesso democrático e ambiental, e viola a Constituição Federal. Por esses motivos, a entidade manifesta-se de forma inequívoca pela rejeição da proposta e pela preservação do modelo democrático e participativo que caracteriza historicamente o COMDEMA.
8. O que Ministério Público diz sobre o PLC nº 16/2025?
A manifestação do Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio do GAEMA (Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente – Núcleo PCJ-Piracicaba) e da Promotoria de Justiça de Meio Ambiente de Piracicaba, sobre o PLC nº 16/2025, é bastante contundente.
O Ministério Público entende que o projeto representa um retrocesso democrático e socioambiental, centralizando indevidamente as decisões ambientais no Poder Executivo municipal e fragilizando a independência do COMDEMA. A crítica se fundamenta em diferentes pontos.
Em primeiro lugar, destaca-se que a paridade não pode ser reduzida ao mero número de cadeiras entre sociedade civil e Poder Público. A autonomia da presidência e da vice-presidência é essencial para assegurar efetiva influência da sociedade civil na pauta e na condução dos trabalhos. A imposição automática da presidência ao Executivo, segundo o MP, desvirtua a representatividade do colegiado e gera um conflito de interesses, pois coloca o ente que licencia e fiscaliza como dirigente do órgão que deveria exercer controle social sobre suas próprias ações.
Em segundo lugar, o MP aponta que o projeto desrespeita diretrizes nacionais de participação social, em especial a Resolução da 2ª Conferência Nacional das Cidades (CONCIDADES), que recomenda a composição de 60% de representantes da sociedade civil e 40% do Poder Público nos conselhos ambientais. O PLC nº 16/2025 amplia a participação do Executivo, invertendo essa proporção e comprometendo a pluralidade democrática.
Outro ponto enfatizado é que a revogação de dispositivos da Lei Complementar nº 251/2010, como o §4º do art. 10 e o art. 42, aumenta o poder discricionário do Executivo, reduz a transparência e fragiliza o controle social sobre áreas estratégicas, incluindo a gestão de resíduos sólidos e a limpeza pública. Essa supressão de garantias procedimentais é considerada um retrocesso incompatível com o art. 225 da Constituição Federal e com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que consolidou a vedação ao retrocesso ambiental.
O MP também alerta que a Deliberação Normativa nº 01/2024 do CONSEMA exige que os conselhos municipais de meio ambiente mantenham caráter normativo e deliberativo como condição para que os municípios possam realizar licenciamento ambiental. A concentração de poder no Executivo fragilizaria esse requisito, colocando em risco a legalidade e a validade dos licenciamentos municipais.
Por fim, a recomendação sublinha que o COMDEMA tem uma trajetória de quase três décadas de relevância, legitimada por reconhecimentos institucionais como a nota máxima no programa Município VerdeAzul e o Prêmio Chico Mendes concedido pela própria Câmara de Vereadores em 2025. O esvaziamento do Conselho significaria desprezar essa história e comprometer a governança ambiental do município.
Em conclusão, o Ministério Público considera que o PLC nº 16/2025 é inconstitucional e ilegal em seu mérito, por violar os princípios da participação social, da publicidade, da prevenção, da não regressão e da democracia participativa. Recomenda, portanto, que o projeto seja retirado, e que qualquer futura alteração da composição ou atribuições do COMDEMA seja previamente submetida ao próprio Conselho e discutida em audiência pública ampla, garantindo transparência, publicidade e participação popular efetiva.
9. O que o Instituto Aimara diz sobre o PLC nº 16/2025?
O Instituto Aimara de Defesa e Educação Ambiental tem posição contrária ao PLC nº 16/2025 e às alterações propostas na Lei Complementar nº 251/2010. O Instituto sustenta que o projeto viola princípios constitucionais, infraconstitucionais e compromissos internacionais do Brasil, com argumentos organizados em diferentes eixos.
· - Quebra da paridade e esvaziamento da democracia ambiental
O Instituto Aimara destaca que a atual Lei Complementar nº 251/2010 assegura predominância da sociedade civil no COMDEMA, com 16 cadeiras distribuídas entre entidades ambientalistas, associações de moradores, universidades, sindicatos, setor produtivo e entidades culturais, enquanto o Poder Executivo conta com apenas 3 representantes. O PLC nº 16/2025 amplia os assentos do Executivo para 18, superando os da sociedade civil e invertendo o arranjo original. Esse redesenho é classificado como uma quebra da paridade, que transforma a participação social em “aparência democrática”, um simulacro de participação que compromete o núcleo da democracia participativa .
· - Presidência e vice-presidência controladas pelo Executivo
Outro ponto central é a alteração da diretoria do COMDEMA. Pela lei atual, presidente, vice-presidente e secretário são eleitos entre os representantes da sociedade civil. O projeto, contudo, transfere automaticamente a presidência ao Secretário Executivo de Meio Ambiente e reserva a vice-presidência também ao Poder Público, deixando à sociedade civil apenas cargos secundários de secretaria. Na análise do Instituto, isso elimina o protagonismo da sociedade civil na condução do conselho, subordina o colegiado ao Executivo e compromete sua autonomia institucional .
· - Revogação de dispositivos que asseguravam pluralidade e renovação
O Instituto também aponta que o PLC revoga o §2º e o §4º do art. 10 da Lei Complementar nº 251/2010, que permitiam a admissão de novas entidades da sociedade civil e a exclusão de membros pela própria plenária do Conselho. Além disso, extingue o art. 42, que criava o Conselho de Controle Social do Serviço de Limpeza Urbana. Essas mudanças, no entendimento do Instituto, representam restrição da pluralidade, enfraquecimento do controle social e perda de instrumentos de fiscalização popular em áreas críticas como a gestão de resíduos sólidos .
· - Violação a direitos fundamentais e compromissos internacionais
A posição do Instituto ressalta que a supressão da participação social fere diretamente o art. 225 da Constituição Federal, que atribui ao Estado e à coletividade o dever de proteger o meio ambiente. Argumenta ainda que a alteração afronta a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (ADPF 623 e ADPF 651), que reconheceu a participação social em conselhos ambientais como parte essencial da democracia participativa, e desrespeita a Opinião Consultiva nº 32/2025 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que consagrou os direitos de acesso à informação, participação e justiça como núcleo da proteção ambiental e climática .
· - Democracia ambiental e climática como cláusula de não retrocesso
O Instituto Aimara enraíza sua análise na noção de democracia ambiental e climática, vinculada ao art. 225 da Constituição e à jurisprudência interamericana. Para a entidade, os conselhos gestores ambientais são a expressão máxima da democracia participativa, pois permitem diálogo plural, inclusivo e vinculante. Retirar ou enfraquecer esse espaço significa um retrocesso socioambiental vedado pelo direito constitucional e internacional, violando o princípio da não regressão ambiental e afetando a legitimidade das políticas públicas locais.
Em conclusão, o Instituto Aimara considera o PLC nº 16/2025 inconstitucional e ilegítimo, por romper com a paridade, retirar da sociedade civil a condução do conselho, restringir a pluralidade de sua composição e afrontar tanto a Constituição quanto compromissos internacionais. A entidade sustenta que a proposta representa um grave retrocesso democrático e socioambiental, capaz de esvaziar a democracia participativa e enfraquecer a governança climática e ambiental no município de Piracicaba.
10. A inclusão e retirada do PLC nº 16/2025 na pauta da Câmara de Vereadores
No dia 11 de setembro de 2025, o Projeto de Lei Complementar nº 16/2025, que pretendia alterar a composição e a direção do COMDEMA em Piracicaba, chegou a ser incluído na pauta de votação da Câmara Municipal. No entanto, poucas horas antes da votação, o Ministério Público do Estado de São Paulo expediu uma Recomendação Administrativa dirigida à Câmara e ao Prefeito, sustentando que a tramitação do projeto configurava risco de retrocesso democrático e ambiental. O documento alertava que o PLC concentrava poder no Executivo, reduzia a representatividade da sociedade civil e afrontava princípios constitucionais como os da participação popular, publicidade, transparência e vedação ao retrocesso ambiental. Além disso, os promotores assinalaram que a vinculação automática da presidência do COMDEMA ao Executivo criava um conflito de interesses, uma vez que o mesmo ente responsável por licenciar e fiscalizar atividades ambientais passaria a dirigir o órgão colegiado fiscalizador.
Diante da recomendação, o presidente da Câmara, vereador Rerlison Rezende (PSDB), decidiu retirar o PLC nº 16/2025 da pauta da sessão extraordinária. A decisão foi anunciada no início da noite e acompanhada por forte mobilização popular, com o plenário cheio de cidadãos preocupados com os rumos da política ambiental do município. Em nota oficial, a Câmara confirmou que acataria integralmente a recomendação do Ministério Público e que a votação do projeto ficaria suspensa até que fosse realizada audiência pública específica, com ampla divulgação, participação das entidades cadastradas, universidades e especialistas da área, além do registro e publicação das manifestações colhidas.
Assim, o episódio marcou um ponto de inflexão no processo legislativo, evidenciando a força da intervenção institucional do Ministério Público e a mobilização social em torno da defesa da democracia ambiental. A retirada do PLC da pauta revelou, ao mesmo tempo, a fragilidade política do projeto diante da pressão de órgãos de controle e da sociedade civil, e a necessidade de que alterações na governança ambiental municipal sejam precedidas de diálogo público qualificado e fundamentado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário