por Thiago Assis Brito de Souza, Jurandir Silvestre e Danuta Hilaria Rodrigues
Um ano após a maior mortandade de peixes da história do rio, as famílias de 150 pescadores seguem sem renda e sem reparação. O Instituto Aimara atua na defesa dos atingidos.
Julho de 2024 marcou para sempre a história do Rio Piracicaba. O que antes era um curso d’água conhecido por sua importância ecológica e pelo sustento que garantia a centenas de famílias de pescadores transformou-se, de repente, em cenário de destruição. Estima-se que aproximadamente 100 toneladas de peixes tenham sido encontradas mortas ao longo do leito e das margens, em um desastre provocado pelo despejo de melaço e efluentes industriais da Usina São José S/A Açúcar e Álcool, conforme atribuem as investigações e autuações conduzidas pela CETESB e pelo Ministério Público.
Entre as espécies mais afetadas estavam curimbatás, dourados, piaus, traíras e lambaris — essenciais para o equilíbrio ecológico e para a subsistência das comunidades pesqueiras locais. O impacto foi devastador: aves, répteis e mamíferos que dependiam desses peixes começam a desaparecer da região, e populações já ameaçadas tiveram suas chances de sobrevivência ainda mais reduzidas.
A poluição afetou diretamente a vida de pescadores artesanais, ribeirinhos e comunidades tradicionais, que perderam sua principal fonte de renda, enfrentam insegurança alimentar e viram romper-se laços culturais construídos ao longo de gerações. Algumas famílias foram obrigadas a deixar suas casas, levando consigo apenas a lembrança do que foi a vida junto ao rio. Muitos adoeceram, física e emocionalmente, vivendo hoje à base de medicamentos.
A Carta Aberta: reivindicações gerais e visão de futuro
Em julho de 2025, por ocasião do aniversário de um ano da tragédia, o Instituto Aimara e a SOS Rio Piracicaba publicaram uma carta aberta listando reivindicações gerais e estruturais dos pescadores. O documento defende:
- Restituição ecológica plena, com repovoamento por espécies nativas, recuperação da qualidade da água e das áreas degradadas, e retomada segura da pesca artesanal;
- Reabilitação social e econômica, com programas de apoio psicossocial, capacitação e alternativas de geração de renda;
- Compensação justa e proporcional, considerando os prejuízos econômicos, a redução da renda e o sofrimento moral imposto;
- Reconhecimento oficial e retratação pública, incluindo pedidos de desculpas, cerimônias de memória ambiental e ações educativas;
- Medidas estruturais de prevenção, como reforço da fiscalização, monitoramento contínuo da água e participação ativa de pescadores e ribeirinhos nas decisões que afetam o rio.
A carta também reforça que os pescadores do Rio Piracicaba são guardiões ambientais e defensores de primeira linha da biodiversidade, preservando saberes tradicionais e resistindo diariamente às pressões ambientais e econômicas.
A Atuação do Instituto Aimara: Organização, Defesa e Visibilidade
Neste primeiro semestre de 2025, o Instituto Aimara intensificou sua presença nas comunidades mais afetadas. Em Santa Maria da Serra, Piracicaba e São Pedro, seus representantes realizaram um levantamento sobre os impactos socioeconômicos desta tragédia com a família de 150 pescadores diretamente atingidos, garantindo informações e documentação para a instrução das investigações e futuras medidas de reparação. A atuação abrangeu:
- Assessoria jurídica especializada — explicando direitos e precedentes, preparando casos e representando pescadores em audiências;
- Articulação institucional — junto ao Ministério Público, CETESB, prefeituras e organizações da sociedade civil;
- Mobilização e visibilidade — denunciando publicamente a falta de ação da Usina e pressionando por reparação imediata.
A Audiência no Ministério Público: diretrizes para o TAC e impasse com a Usina
Em 5 de agosto de 2025, o GAEMA/PCJ-Piracicaba convocou audiência na sede do Ministério Público do Estado de São Paulo. Estiveram presentes autoridades ambientais, representantes dos municípios atingidos, lideranças dos pescadores, o Instituto Aimara e os advogados Enéas Xavier, Rafael Azeredo e Letícia Helena Seguro, representando parte das comunidades afetadas.
A postura da Usina foi considerada evasiva: seu representante jurídico, Dr. Édson Ribeiro, declarou não ter poderes para decidir sobre um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e limitou-se a coletar informações para levar à diretoria. O Ministério Público manifestou preocupação com a ausência de um interlocutor com poder deliberativo, interpretando como sinal de desinteresse e descaso institucional.
Na ocasião, o MP apresentou diretrizes gerais para um eventual TAC, incluindo:
-
reparação integral e compensação ambiental e social;
-
proibição total de lançamento de efluentes no Ribeirão Tijuco Preto;
-
repovoamento de peixes no Rio Piracicaba e no Tanquã;
-
recuperação de áreas degradadas;
-
monitoramento ambiental por no mínimo 10 anos;
-
auxílio emergencial financeiro aos pescadores;
-
criação de um comitê gestor com participação comunitária;
-
multas diárias em caso de descumprimento;
-
destinação de valores para o Fundo Municipal de Meio Ambiente de Piracicaba.
A CETESB, por meio de seu diretor de controle, Sr. Adriano de Queiroz, confirmou que a Usina é definitivamente responsável pelo desastre, que a multa de R$ 18 milhões aplicada tornou-se definitiva na esfera administrativa, e que não cabe mais recurso.
Foi aberto prazo para manifestação da Usina que, em 20 dias, deverá especificar se aceita, ou não, sentar-se à mesa para a negociação de um TAC. Ainda, a pedido dos advogados presentes, determinou-se que os representantes da Usina, em uma próxima reunião, comparecessem dotados de poderes suficientes para a realização de acordo.
A Voz dos Pescadores
Na audiência, as lideranças pesqueiras falaram em nome de 150 famílias que há mais de um ano vivem sem renda. Expuseram a paralisação da pesca, a insegurança alimentar e a necessidade urgente de:
- Auxílio emergencial imediato;
- Participação direta nas decisões e acompanhamento das medidas de reparação;
- Compensação justa pelos danos materiais e morais;
- Recuperação ambiental efetiva, com retorno seguro da pesca.
As lideranças pesqueiras relataram que há mais de um ano vivem sem renda, sobrevivendo de doações e empréstimos que começarão a ser cobrados em 2026. O advogado Rafael Azeredo reforçou que os pescadores buscam restituição do auxílio emergencial, lucros cessantes por até 9 anos e indenização por danos morais. Enéas Xavier alertou que os pescadores não querem privilégios, mas apenas o que a lei e a jurisprudência garantem às vítimas de tragédias similares.
Thábata Frias Patrezzi, representante da “Cidinha Escola Náutica Piracicaba”, destacou a queda brusca no turismo de pesca e o fechamento de pousadas no Tanquã, além da diminuição do fluxo migratório de peixes para reprodução. Ressaltou que o auxílio do governo estadual foi um empréstimo, e não ressarcimento.
A Luta Continua
Para os pescadores, cada dia sem pesca é mais um dia de fome e endividamento. Para o Instituto Aimara, cada dia sem solução é mais um dia de injustiça. O caso do Rio Piracicaba não é apenas sobre um desastre ecológico: é sobre o direito à vida digna de comunidades que há décadas protegem e dependem do rio.
O Instituto Aimara seguirá atuando — do campo às negociações — para garantir que essas vozes não sejam silenciadas e que a justiça ambiental prevaleça.
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