Por Enéas Xavier de Oliveira Jr. mestre em direito ambiental pela Universidade Metodista de Piracicaba, e doutorando em direito ambiental internacional pela Université de Montréal
Às vésperas da COP 27 em Sharm El-Sheikh, o Secretariado da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas divulgou um relatório atualizado sobre os compromissos climáticos firmados pela comunidade internacional no âmbito do Acordo de Paris. Destacamos alguns pontos positivos e negativos para você entender melhor o que ocorre na alta cúpula de discussão das mudanças climáticas a nível global.
O foco central do relatório é a análise das contribuições nacionalmente determinadas, também conhecidas como NDC (sigla em inglês para nationally determined contributions), que constituem um importante instrumento de combate às mudanças climáticas no âmbito do Acordo de Paris. São muitos os detalhes inerentes à NDC expressas no Acordo de Paris:
· Cada país formula e apresenta sua NDC, que contempla seu compromisso oficial de redução das emissões de gases-estufa e de adoção de medidas de mitigação (artigo 4.2);
· As NDCs visam aos objetivos de manutenção do aumento de temperatura média global bem abaixo de 2°C, com esforços para que este limite seja mantido em 1,5°C (artigo 2.1.a), bem como, de se atingir o equilíbrio (net-zero) entre emissões antrópicas e remoções por sumidouros de gases-estufa até a metade do século (artigos 4.1);
· As NDCs devem ser constantemente atualizadas, atendendo às orientações adotadas pela COP (Conferência das Partes), além de representar um avanço contínuo e mais ambicioso em relação à versão anterior (artigos 3 e 4.3);
O relatório publicado é bem abrangente e considera as NDCs apresentadas por 166 países, de um total de 193 signatários do Acordo de Paris, até a data de 23 de setembro de 2022. Isto representa um total de 94,9% das emissões globais inventariadas. A maioria das comunicações enviadas pelos Estados-Partes (95%) são claras, transparentes e compreensíveis em suas informações que compõem as NDCs, atendendo ao disposto nas orientações (guidance) da COP, além de seguirem os moldes determinados pela CMA (vide artigo 4.8 do Acordo de Paris). Em relação ao relatório publicado no ano passado, verifica-se ainda uma melhora quanto ao compromisso assumido pelos países: para o ano de 2030, de acordo com as informações atualizadas, há uma previsão de aumento das emissões globais de gases-estufa em 10,6%, comparado aos níveis registrados em 2010 – a última versão do relatório publicada em 2021, considerando os dados anteriores à COP 26, considerava um aumento de 13,7% das emissões globais[1].
No entanto, não há muito a se comemorar. Este pequeno passo representa ainda um aumento médio da temperatura do planeta em 2,5°C no final do século[2]. Este resultado é aferido de acordo com as projeções do relatório publicado pelo IPCC em agosto de 2021, do grupo de trabalho GT I – The Physical Science Basis[3]. Se os compromissos atuais indicam um aumento de 10,6% das emissões (comparado aos registros de 2010), o IPCC já asseverou a imprescindibilidade de uma redução de 45% das emissões globais até o ano de 2030 para que os objetivos do Acordo de Paris sejam alcançados[4]. Ou seja, há um abismo que separa o mundo de hoje daquele necessário para se alcançar os objetivos do Acordo de Paris.
Estes fatos foram duramente criticados por Simon Stiell, secretário executivo das Nações Unidas para mudanças climáticas.
“Não estamos nem um pouco perto da escala e passo de redução de emissões exigida para nos colocarmos no caminho em direção aos 1,5°C global. Para manter este objetivo vivo, os governos nacionais devem fortalecer seus planos de ação climática agora e implementá-los nos próximos oito anos. Na Conferência das Partes de Glasgow no ano passado, todos os países concordaram em revisar e fortalecer seus planos climáticos. O fato de que somente 24 planos climáticos novos ou atualizados foram submetidos desde a COP 26 é decepcionante. As decisões e ações governamentais devem refletir o nível de urgência, a gravidade das ameaças que enfrentamos, e o curto espaço de tempo que ainda nos resta para evitar as devastadoras consequências de uma mudança climática descontrolada”[5].
A COP 27 se apresenta como uma oportunidade única para o fortalecimento dos planos climáticos, para que os compromissos de redução das emissões de gases-estufa sejam adequados ao atual entendimento científico. As ações a serem tomadas devem ser mais audaciosas, ao passo em que o tempo passa e não estamos à altura de impedir o aquecimento da temperatura média do planeta. Neste mesmo passo, espera-se que medidas de financiamento para adaptações às mudanças climáticas saiam do papel e tornem-se concretas.
A sociedade civil tem um papel muito a ser desempenhado nos trabalhos da COP 27, assim como, no sucesso dos objetivos do Acordo de Paris. Esta ausência de medidas suficientes para o combate das mudanças climáticas tem sido denunciada pela sociedade civil ao longo dos últimos anos. Observa-se, inclusive, uma iniciativa de ações judiciais nas jurisdições domésticas que buscam a efetiva declaração de reconhecimento da inexistência de políticas públicas claras e objetivas para o enfrentamento das mudanças climáticas por parte dos Estados, bem como, sua condenação para que ações climáticas sejam efetivamente tomadas, em cumprimento aos compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris.
A Convenção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças do Clima concentra as NDCs comunicadas por cada país. O acesso é público e você pode verificar todo o conteúdo das informações que compõem a NDC, além da respectiva data submetida, e a versão do documento. Você já viu a NDC do seu país? Acesse: https://unfccc.int/NDCREG
Noutra publicação, reportamos as PEDALADAS CLIMÁTICAS do Governo brasileiro.
http://institutoaimara.blogspot.com/2022/10/brasil-e-as-pedaladas-climaticas-como.html
[1] UNFCCC. Secretariat. Nationally determined contributions under the Paris Agreement. FCCC/PA/CMA/2022/4. 26 October 2022, p. 6.
[2] UNFCCC. Secretariat. Nationally determined contributions under the Paris Agreement. FCCC/PA/CMA/2022/4. 26 October 2022, p. 30.
[3] IPCC. Summary for Policymakers. In: Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Masson-Delmotte, V., P. Zhai, A. Pirani, S. L. Connors, C. Péan, S. Berger, N. Caud, Y. Chen, L. Goldfarb, M. I. Gomis, M. Huang, K. Leitzell, E. Lonnoy, J.B.R. Matthews, T. K. Maycock, T. Waterfield, O. Yelekçi, R. Yu and B. Zhou (eds.)]. Cambridge University Press. 2021, p. 15-16.
[4] IPCC: Summary for Policymakers. In: Global Warming of 1.5°C. An IPCC Special Report on the impacts of global warming of 1.5°C above pre-industrial levels and related global greenhouse gas emission pathways, in the context of strengthening the global response to the threat of climate change, sustainable development, and efforts to eradicate poverty [Masson-Delmotte, V., P. Zhai, H.-O. Pörtner, D. Roberts, J. Skea, P.R. Shukla, A. Pirani, W. Moufouma-Okia, C. Péan, R. Pidcock, S. Connors, J.B.R. Matthews, Y. Chen, X. Zhou, M.I. Gomis, E. Lonnoy, T. Maycock, M. Tignor, and T. Waterfield (eds.)]. Cambridge University Press, 2018, p. 12
[5] UNFCCC. Climate Plans Remain Insufficient : More Ambitious Action Nedded Now. 26 October 2022. UN Climate Press Release. https://unfccc.int/news/climate-plans-remain-insufficient-more-ambitious-action-needed-now.
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