por Enéas Xavier de Oliveira Jr, mestre em direito ambiental pela Universidade Metodista de Piracicaba, e doutorando em direito ambiental internacional pela Université de Montréal
Desde 1850, as atividades humanas têm provocado a modificação da atmosfera terrestre, seja com a inserção de novos gases (como os clorofluorcarbonetos), seja com a intensificação da presença de gases já existentes (como o dióxido de carbono, e óxido nitroso). Estes gases contribuem com as mudanças climáticas e a ocorrência de eventos extremos.
O dióxido de carbono (CO2) é o principal vetor de contribuição às mudanças climáticas. Representa mais de 70% das emissões de gases-estufa e seu tempo de permanência na atmosfera ultrapassa os cem anos, o que gera impactos por longo períodos. Atualmente, a concentração de CO2 encontra-se aproximadamente em 420 partes por milhão, o maior nível em 4 milhões de anos.
O Brasil figura como o quarto maior emissor histórico de gases-estufa. E a principal razão para este feito recai sobre as mudanças do uso da terra, com o desmatamento massivo de grandes frações territoriais e sua destinação a atividades como agricultura e pecuária. E este é um problema em ascensão, considernado os sucessivos recordes de desmatamento registrados recentemente.
No âmbito do Acordo de Paris, os países fornecem dados e metas de redução das emissões de gases-estufa, para que se atinja o objetivo de limitação do aumento da temperatura média do planeta em até 2°C no final deste século, com esforços para que este limite se mantenha em até 1,5°C. Estas informações compõem as contribuições determinadas ao nível nacional, também conhecidas pela sigla NDC (nationally determined contribution - em inglês), e devem ser periodicamente revisadas para acompanhar os avanços científicos e o cenário existente de combate às mudanças climáticas. Neste passo, as estimativas referem-se à necessidade de redução dos gases-estufa em 37% em 2025; em 43%, em 2030; e, a neutralidade de carbono em 2050, em comparação aos dados coletados de emissões em 2005.
Pois bem! A primeira NDC apresentada pelo Brasil em 2015 previa a redução em 2030 de 43% das emissões comparadas ao ano de 2005. Naquela oportunidade, os dados utilizados apontavam um levantamento de 2,1 bilhões de toneladas de CO2 equivalente em 2005, e o compromisso atingir um limite de emissões de 1,2 bilhão de toneladas 2030.
Ocorre que os dados-base utilizados para cálculos decorriam do Segundo Inventário Nacional de emissões de 2010. Estes dados, porém, foram ATUALIZADOS pelo Terceiro Inventário Nacional, logo após a entrega da NDC brasileira, e apontaram um aumento para 2,8 bilhões de toneladas de CO2 emitidos em 2005.
Pois bem! Na revisão periódica da NDC entregue pelo Brasil no ano de 2020, a base de cálculo foi elevada, correspondendo à atualização aferida dos dados-base de 2005. Porém, MANTEVE-SE A MESMA PORCENTAGEM DE REDUÇÃO, o que, na prática, implica numa quantidade maior de emissões previstas para o ano de 2030. Ou seja, as emissões anteriormente previstas na ordem de 1,2 bilhão de toneladas de CO2 passou para 1,6 bilhão de toneladas – 400 milhões de toneladas a mais.
A atitude foi duramente criticada pela sociedade civil e pela comunidade internacional, o que culminou no posicionamento do Governo brasileiro de aumento da redução das emissões durante a COP 26, no final de 2021. A promessa foi formalizada em abril de 2022, com o compromisso de redução de 50% das emissões até 2030.
Ocorre que, mais uma vez, os dados-base foram atualizados por meio do Quarto Inventário Nacional, que computaram uma redução das emissões em números absolutos para o ano-base de 2005 na ordem de 2,4 bilhões de toneladas de CO2. Assim, apesar do aumento efetivo da porcentagem de redução de emissões apresentado pelo Brasil, a nova base para os cálculos aplicada resulta, em termos práticos, na retomada do limite de emissões de 1,2 bilhão de toneladas de CO2 para o ano de 2030.
A atualização contínua de dados é comum e representa o avanço científico e metodológico para a correta apuração das emissões. Neste passo, o problema não se encontra na atualização dos dados-base, mas sim, na ausência de compromisso efetivo do Governo brasileiro em atualizar seus compromissos. O Acordo de Paris exige a apresentação de metas audaciosas de redução e o engajamento contínuo dos países-membros no combate às mudanças climáticas. Apesar das promessas de aumento das reduções, o fato é que as metas atuais do Governo brasileiro permanecem as mesmas quando comparadas àquelas apresentadas em 2015. Nestes termos, a sociedade civil nomeou esta manobra do Governo brasileiro como PEDALADA CLIMÁTICA.
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