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quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Nota técnica sobre o PLC n. 16/2025 de Piracicaba

 


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Projeto de Lei Complementar n. 16/2025 de Piracicaba ameaça a participação popular na tomada de decisões em matéria de meio ambiente

 

O Instituto Aimara lança esta Nota Técnica para alertar a população de Piracicaba sobre os riscos do Projeto de Lei Complementar n.º 16/2025, atualmente em discussão na Câmara Municipal. A proposta altera profundamente o funcionamento do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (COMDEMA), instância responsável por fiscalizar e orientar políticas ambientais. Ao mexer diretamente na forma como a sociedade participa das decisões públicas, o projeto acende um sinal de alerta entre especialistas e cidadãos preocupados com transparência e controle social.

Desde sua criação, o COMDEMA tem sido um espaço de participação direta da população, reunindo representantes de associações de moradores, organizações socioambientais, universidades e setores profissionais para deliberar sobre temas que impactam o cotidiano — do licenciamento ambiental ao uso do solo e à proteção das áreas verdes. As mudanças propostas no PLC n.º 16/2025 colocam em dúvida a continuidade desse modelo participativo e levantam questões sobre quem, de fato, terá voz e influência nas decisões ambientais da cidade.

Esta Nota Técnica sintetiza por que o Instituto Aimara considera o projeto um grave retrocesso para a democracia ambiental em Piracicaba. Com base na legislação brasileira, na jurisprudência do STF e em padrões internacionais de direitos humanos, demonstramos que a participação social não pode ser reduzida nem esvaziada. O objetivo é contribuir para um debate público informado e reforçar o direito do povo piracicabano de ser protagonista no debate ambiental e climático de sua cidade. A restrição à participação não é aperfeiçoamento institucional: é uma ameaça à democracia.

Importa destacar que essa não é uma situação isolada: em diferentes estados e municípios brasileiros, projetos semelhantes têm buscado reduzir a presença da sociedade civil em conselhos ambientais e em outros espaços de controle social, concentrando decisões estratégicas nas mãos do Poder Executivo. Em todo o país, estruturas colegiadas que historicamente garantiram transparência, participação popular e fiscalização das políticas públicas vêm sendo alvo de tentativas de esvaziamento, seja pela quebra da paridade, seja pela limitação de mandatos, pela diminuição de cadeiras da sociedade civil ou pela redução da publicidade de seus atos. O que hoje se discute em Piracicaba, portanto, faz parte de uma tendência mais ampla de restrição da democracia ambiental no Brasil, o que torna ainda mais urgente a defesa do COMDEMA como espaço plural, autônomo e efetivamente participativo.

 

 

NOTA TÉCNICA SOBRE O PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR N. 16/2025 – ANÁLISE DOS IMPACTOS AO EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NO CONSELHO MUNICIPAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE DE PIRACICABA

Enéas Xavier[1]

 

 

1.        ASSOCIAÇÃO CIVIL INSTITUTO AIMARA DE DEFESA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL (INSTITUTO AIMARA), pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ 23.425.979/0001-45, redige a presente NOTA TÉCNICA sobre o Projeto de Lei Complementar n. 16/2025 (PLC n. 16/2025), de autoria da Prefeitura Municipal de Piracicaba (Prefeitura).

2.        Conforme informações disponíveis, o PLC n. 16/2025 foi submetido à Câmara Municipal de Vereadores de Piracicaba (Câmara) em 22/08/2025.

3.        Em seu objeto, introduz alterações à Lei Complementar nº 251/2010 (LC n. 251/2010), que dispõe sobre a consolidação da legislação que disciplina a proteção ao meio ambiente, os programas e as iniciativas na área de interesse ambiental do Município de Piracicaba, no que se refere à composição do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (COMDEMA).

4.        O PLC n. 16/2025 recebeu parecer favorável da Comissão de Obras, Serviços Públicos e Atividades Privadas; da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; e da Procuradoria Legislativa. Houve, entretanto, um parecer contrário em separado apresentado pela Vereadora Silvia Maria Morales, que apontou riscos de fragilização do controle social e redução da participação da sociedade civil no COMDEMA.

5.        O PLC n. 16/2025 foi objeto de duas Mensagens Modificativas encaminhadas pela Prefeitura, que ajustaram o conteúdo originalmente proposto. A primeira mensagem alterou a redação dos arts. 1º e 2º para redefinir o número de representantes do Poder Executivo no COMDEMA, modificar a forma de publicação da homologação da composição do conselho e revogar dispositivos sobre ingresso e deliberação dos membros. A segunda mensagem promoveu novas alterações no art. 2º, ampliando as competências do COMDEMA para incluir a análise de projetos de leis ambientais, redefinindo a forma de eleição da diretoria e mantendo a vigência dos §§ 2º e 4º do art. 10 da LC n. 251/2010.

6.        Considerando a matéria abordada no PLC n. 16/2025, bem como seu impacto no exercício da democracia participativa e no direito fundamental de participação dos processos de tomada de decisão; ainda, considerando o escopo social do INSTITUTO AIMARA, e seu dever de zelar pela primazia da ordem democrática e efetividade dos direitos humanos, apresenta-se a presente NOTA TÉCNICA com o intuito de expor a inconstitucionalidade do PLC n. 16/2025 e a urgência de sua rejeição.

 

SÚMARIO

           

I.          CONSELHO MUNICIPAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE DE PIRACICABA  …………………………………………………………………………………………………... 3

II.         DA COMPOSIÇÃO DO COMDEMA ................................................................... 5

III.        DAS MODIFICAÇÕES ....................................................................................... 7

IV.       DA QUEBRA DE PARIDADE ............................................................................ 9

V.        DA PRESIDÊNCIA E DA VICE-PRESIDÊNCIA DO COMDEMA ..................... 10

VI.       DA ADMISSÃO E EXCLUSÃO DE MEMBROS ............................................... 12

VII.      DEMOCRACIA AMBIENTAL E CLIMÁTICA ....................................................13

VIII.     DA VIOLAÇÃO À VEDAÇÃO DO RETROCESSO EM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS E AMBIENTAIS ........................................................................................ 18

a.         A quebra da paridade e a subordinação da sociedade civil ao Executivo…………………………………………………………………………………….  19

b.        A captura política da diretoria do COMDEMA ……………………………….  20

c.         A restrição da publicidade e da transparência ………………………………  21

d.        A desconsideração de obrigações internacionais ………………………….  21

e.         A jurisprudência do STF e a vedação ao retrocesso em conselhos ambientais …………………………………………………………………………………..  21

IX.       DA INCONSTITUCIONALIDADE DO PLC N. 16/2025 .................................... 23

a.         Violação do art. 225 da CF/88 – supressão da democracia ambiental ...................................................................................................................................... 23

b.        Violação do núcleo essencial do direito de participação (art. 1º, parágrafo único; art. 5º, XXXIII; art. 37, caput; art. 225 da CF/88) ………………………………. 23

c.         Violação da vedação ao retrocesso socioambiental …………….………….. 24

d.        Violação do princípio da separação dos poderes e da autonomia dos conselhos (art. 2º e art. 37, caput, da CF/88) ………………………………………..…. 25

e.         Violação da Convenção Americana de Direitos Humanos (arts. 1.1, 2, 23 e 26) e da PC-32/2025 ………………………………………………………………….......... 25

f.         Violação da publicidade e transparência (art. 5º, XXXIII; art. 37, caput da CF/88) ………………………………………………………………………………………… 26

g.        Violação da isonomia (art. 5º, caput, da CF/88) ……………………………… 26

h.        Violação do princípio da motivação dos atos administrativos (art. 37, caput, da CF/88) …………………………………………………………………………………….. 27

i.          Violação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade ……......... 27

X.        RECOMENDAÇÕES ……………………………………………………………….  28

XI.       REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 31

 

 

I.               O CONSELHO MUNICIPAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE DE PIRACICABA

 

7.        O COMDEMA, instituído pela LC n. 251/2010, configura-se como órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva, com a finalidade de assessorar, estudar e propor diretrizes ao Poder Público Municipal no âmbito da política ambiental e de gestão dos recursos naturais. Cabe-lhe, por exemplo, propor e estabelecer critérios de licenciamento de atividades potencialmente poluidoras, deliberar sobre Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), analisar o uso e ocupação do solo em áreas de interesse ambiental, homologar acordos ambientais e propor a instituição de unidades municipais de conservação. Ao mesmo tempo, acolhe denúncias da população relativas a infrações ambientais, integra esforços com órgãos federais e estaduais e tem competência para propor convênios e ajustes que fortaleçam a defesa ambiental.

8.        No que diz respeito à participação social, a lei garante a presença de representantes da sociedade civil, entidades profissionais, setor produtivo, universidades, sindicatos e associações de moradores, compondo um plenário plural que constitui o órgão máximo de decisão do conselho. Ademais, a legislação assegura a qualquer cidadão o direito de participar e se manifestar nas reuniões plenárias, reforçando a ideia de que o COMDEMA deve ser um espaço efetivo de democracia participativa. Essa abertura, todavia, precisa ser acompanhada de mecanismos concretos de efetividade, como ampla divulgação prévia das pautas, acessibilidade das atas e transmissões digitais das reuniões, sob pena de reduzir a participação a uma previsão meramente formal. Outro aspecto central refere-se ao equilíbrio de forças dentro do conselho: a paridade entre sociedade civil organizada e setores econômicos nem sempre se traduz em igualdade de poder, o que evidencia a necessidade de ajustes regimentais para fortalecer a representatividade das organizações socioambientais e das comunidades mais vulneráveis.

9.        A função deliberativa do COMDEMA também projeta relevância no controle social do licenciamento ambiental. Ao estabelecer normas de licenciamento e deliberar sobre estudos de impacto, o conselho atua como instância preventiva contra retrocessos e como guardião do princípio da precaução, sendo capaz de condicionar ou mesmo de impedir empreendimentos de alto risco socioambiental. Nesse ponto, reforça-se sua legitimidade constitucional, na medida em que o art. 225 da Constituição Federal (CF/88) consagra o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e prevê, expressamente, a participação popular na sua defesa. Assim, o conselho assume a condição de instrumento institucional de efetivação do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, com base em um modelo de democracia participativa que deve ser concretizado no plano municipal.

10.      Esse papel ganha ainda maior densidade quando se observa o alinhamento do COMDEMA com a jurisprudência nacional e internacional. O Supremo Tribunal Federal (STF), nas ações de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 623 (ADPF n. 623) e n. 651 (ADPF n. 623), reconheceu a dimensão participativa da política ambiental e climática, enfatizando que o Estado não pode retroceder em estruturas que garantem a interlocução da sociedade civil. Da mesma forma, o Parecer Consultivo n. 32/2025 (PC-32/2025) da Corte Interamericana de Direitos Humanos (IACtHR) destacou a centralidade da democracia participativa e da participação social como condições para a proteção efetiva do meio ambiente e para a implementação de políticas climáticas. Nesse sentido, o conselho não é apenas um espaço administrativo local, mas também um elo direto com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, reforçando a necessidade de garantir sua autonomia e fortalecer sua atuação.

 

II.             DA COMPOSIÇÃO DO COMDEMA

 

11.      A composição do COMDEMA, disciplinada tanto pela LC n. 251/2010 quanto pelo seu Regimento Interno, revela uma estrutura plural e, ao mesmo tempo, marcada por tensões de representatividade. Essa norma estabelece que o Conselho é integrado por um Plenário, Diretoria e Câmaras Técnicas, sendo a Plenária o órgão máximo de decisão. A partir dela, delineia-se um arranjo que busca conciliar a presença do Poder Público, da sociedade civil organizada e dos setores econômicos.

12.      Segundo a LC n. 251/2010, a Plenária conta com três representantes do Poder Executivo Municipal, três representantes de entidades civis com finalidade de defesa da qualidade do meio ambiente, três representantes de entidades de moradores e um representante das universidades do município. Além disso, assegura-se a presença de representantes de diferentes categorias: profissionais liberais, empresas comerciais e industriais, entidades de defesa do patrimônio histórico-cultural, produtores rurais e sindicatos de trabalhadores. Também se incluem três representantes de entidades legalmente constituídas com finalidades distintas das demais já previstas.

13.      A LC n. 251/2010 ainda reforça esse desenho ao prever a participação garantida da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) e da Polícia Florestal, como representantes institucionais com assento no Conselho, indicados por suas respectivas chefias locais. Estabelece também a possibilidade de ingresso de novas entidades da sociedade civil, desde que tenham, no mínimo, um ano de atividades comprovadas no município, sujeitas à aprovação em plenária. Essa previsão é fundamental porque possibilita a renovação e a ampliação da representatividade, mantendo o Conselho aberto a novas organizações que surjam no cenário local.

14.      Um aspecto relevante é que tanto a lei quanto o regimento exigem que a escolha dos representantes de cada segmento seja feita mediante atas de reuniões conjuntas das entidades previamente cadastradas, conferindo legitimidade e transparência ao processo de indicação. Também se prevê a figura dos suplentes, que substituem os titulares em caso de impedimento, bem como regras claras de exclusão por ausência reiterada sem justificativa, preservando a regularidade dos trabalhos.

15.      Outro ponto de destaque é que a Diretoria do COMDEMA – composta por presidente, vice-presidente e secretário – deve ser eleita entre os representantes da sociedade civil. Essa regra, constante tanto da lei quanto do regimento, confere protagonismo formal à sociedade civil na condução dos trabalhos do Conselho, ainda que a correlação de forças entre os diferentes segmentos possa limitar a sua efetividade. Além disso, a previsão de conselheiros convidados, com direito à voz, mas sem voto, cria espaço para a participação de especialistas, acadêmicos e lideranças ambientais, ampliando o diálogo, embora sem impacto direto nas deliberações.

16.      Assim, a composição do COMDEMA articula três dimensões centrais: a institucionalidade pública, pela presença obrigatória do Executivo e de órgãos técnicos estaduais; a pluralidade social, pela inclusão de entidades ambientalistas, associações de moradores, sindicatos e universidades; e a inserção econômica, com representantes de setores produtivos e empresariais.

17.      Tal estrutura torna o Conselho um espaço formal de democracia participativa, mas também coloca o desafio de assegurar a paridade real entre a sociedade civil e os setores econômicos, garantindo que os interesses ambientais e sociais não sejam suplantados pela pressão de grupos econômicos.

 

III.            DAS MODIFICAÇÕES

 

Artigo / Dispositivo

Redação Original (LC n. 251/2010)

Redação Proposta (PLC n. 16/2025)

Redação após Mensagens Modificativas 1 e 2

Art. 10, inciso I

3 representantes do Poder Executivo Municipal, indicados pelo Prefeito Municipal.

18 representantes do Poder Executivo, indicados pelo Prefeito Municipal.

Mantida alteração para 18 representantes do Executivo, ampliando de forma substancial o número de cadeiras indicadas diretamente pelo Prefeito.

Art. 13, § 1º

Publicação no Diário Oficial do Município e em, pelo menos, 1 jornal de circulação no Município, por 3 dias.

Publicação apenas no Diário Oficial do Município.

Alteração mantida: publicação apenas no Diário Oficial, reduzindo a publicidade e o alcance social do processo.

Art. 14

Presidente, Vice e Secretário escolhidos entre representantes da sociedade civil, por escrutínio secreto, mandato de 2 anos.

Presidente: Secretário Executivo de Meio Ambiente; Vice: representante do Poder Público eleito; 1º e 2º Secretários: sociedade civil, eleitos por escrutínio secreto.

Mensagem 2 modificou novamente a redação: a diretoria será composta por presidente, vice e secretário, todos escolhidos por escrutínio secreto entre os membros previamente inscritos, devolvendo-se a possibilidade de participação ampla — inclusive do Poder Público — mas retirando da sociedade civil o protagonismo exclusivo previsto na lei original.

 

Art. 10, § 2º

Admissão de novas entidades da sociedade civil (mín. 1 ano de atuação), aprovada pela Plenária.

Revogado.

Mensagens Modificativas reincluíram a redação original, mantendo vigentes os §§2º e 4º do art. 10 — apesar de terem sido inicialmente revogados no PLC original.

 

Art. 10, § 4º

Plenária deliberava sobre inclusão ou exclusão de entidades ou órgãos como membros do COMDEMA.

Revogado.

Art. 42

Criação, composição e competência do Do Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Serviço Público de Limpeza Urbana

Revogado.

Revogação mantida, suprimindo esse Conselho da legislação municipal.

 

Art. 8, XIX

Inexistente

Inexistente

Nova competência incluída pela Mensagem 2: emitir parecer sobre projetos de lei que envolvam preservação e conservação ambiental.

 

IV.           DA QUEBRA DE PARIDADE

 

18.      A quebra de paridade em conselhos ambientais caracteriza-se pela sub-representação de organizações, entidades ou membros da sociedade civil face a pessoas diretamente indicadas pelo Poder Público, de forma que

 

A participação pública na tomada de decisões administrativas só se plenifica democraticamente quando ela é efetuada de forma paritária com os agentes públicos. Frustra e deturpa o verdadeiro sentido da participação, quando os cidadãos ou cidadãs, a título pessoal ou através das associações, são minoritários no órgão decisório. Quando a representação cidadã é minoritária, depara-se com uma situação de aparência democrática, um jogo de cena política, ferindo-se o coração da democracia participativa.

(MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à Participação nos Conselhos Ambientais e o Acordo Regional de Escazú. 2019, p. 5)

 

19.      No texto atual da LC n. 251/2010, o COMDEMA é estruturado de modo a garantir a predominância da sociedade civil em sua composição. São 16 representantes distribuídos entre entidades ambientalistas, associações de moradores, universidades, sindicatos, setores produtivos, defesa do patrimônio cultural e entidades de finalidades diversas. A esses somam-se dois assentos vinculados a órgãos estaduais – CETESB e Polícia Florestal –,que não são classificados como sociedade civil, e outros três representantes indicados diretamente pelo Poder Executivo Municipal. Esse desenho institucional assegura um arranjo no qual a sociedade civil detém a maioria das cadeiras do conselho, refletindo o caráter participativo que a legislação buscou consagrar.

20.      Com a proposta apresentada no PLC n. 16/2025, esse equilíbrio se altera de forma substancial. O número de representantes do Poder Executivo passaria de três para 18, enquanto a sociedade civil continuaria com 16 representantes. Assim, o conselho passaria a ser composto por 34 membros com direito a voto, dos quais 18 seriam da Prefeitura e 16 da sociedade civil, rompendo o desenho de predominância social que caracterizava o modelo original. Assim, conforme se observa, há uma confusão conceitual por parte da Prefeitura que entende os representantes da CETESB e da Polícia Florestal como integrantes da sociedade civil.

21.      Essa modificação gera um desequilíbrio estrutural no órgão, pois, de um lado, o Executivo concentra a indicação de todos os seus representantes e, de outro, a sociedade civil permanece fragmentada em categorias diversas, sem capacidade de atuação unificada. O resultado é um deslocamento do eixo de poder dentro do COMDEMA: o conselho, que originalmente conferia maior peso à sociedade civil, passaria a ser dominado numericamente pelo Poder Executivo, alterando sua dinâmica de funcionamento e sua natureza deliberativa participativa.

 

V.             DA PRESIDÊNCIA E DA VICE-PRESIDÊNCIA DO COMDEMA

 

22.      Na redação vigente da LC n. 251/2010, a diretoria do COMDEMA é composta por presidente, vice-presidente e secretário, todos escolhidos por escrutínio secreto entre os representantes da sociedade civil. Esse desenho institucional foi concebido para assegurar à sociedade civil não apenas a participação nas deliberações plenárias, mas também o protagonismo na condução política e administrativa do conselho. Ao reservar à sociedade civil organizada a liderança da mesa diretora, a lei conferiu autonomia ao colegiado, permitindo que a sociedade civil assumisse a responsabilidade de dirigir os trabalhos, definir pautas e representar institucionalmente o COMDEMA. Nesse modelo, a presidência, a vice-presidência e a secretaria permaneciam sob controle da sociedade civil, garantindo que o espaço de coordenação do conselho estivesse livre de interferências diretas do Poder Executivo.

23.      O PLC n. 16/2025 altera substancialmente essa lógica. O texto proposto estabelece que a presidência será exercida automaticamente pelo Secretário Executivo de Meio Ambiente, representante direto do Poder Executivo municipal. Além disso, a vice-presidência também passará a ser ocupada por membro do Poder Público, eleito exclusivamente entre os conselheiros indicados pelo Prefeito. A sociedade civil mantém apenas os cargos de primeiro e segundo secretários, que continuarão a ser escolhidos por votação, mas limitados a funções de apoio administrativo e de registro, sem influência sobre a condução das sessões e a definição da agenda do colegiado.

24.      Com essa modificação, a sociedade civil perde a prerrogativa de eleger e ocupar os cargos de presidência e vice-presidência, sendo afastada da condução direta dos trabalhos do COMDEMA. A liderança formal do conselho passa a ser centralizada no Executivo, que já detém a prerrogativa de indicar a maioria de seus próprios representantes. Dessa forma, a estrutura de comando do colegiado se reorganiza: presidência e vice-presidência tornam-se cargos exclusivos do Poder Público, enquanto à sociedade civil restam funções secundárias. A alteração rompe com o modelo anterior, no qual a direção era expressão da escolha da sociedade civil, e inaugura uma nova hierarquia interna, marcada pela centralidade do Executivo na condução do conselho.

25.      Após a segunda Mensagem Modificativa, a presidência e a vice-presidência deixam de ser cargos automaticamente ocupados por agentes do Poder Executivo. Contudo, a nova redação permite que qualquer membro previamente inscrito, inclusive os 18 representantes indicados pelo Prefeito, concorra à diretoria. Assim, embora se tenha afastado o modelo original em que o Secretário Executivo assumia automaticamente a presidência, manteve-se a eliminação da regra histórica da LC n. 251/2010, segundo a qual a diretoria era composta exclusivamente por representantes da sociedade civil. Na prática, a mudança não restaura o protagonismo social na condução do conselho: ao permitir a candidatura de membros indicados pelo Executivo, combinada à sua maioria numérica, cria-se uma dinâmica em que a eleição tende a ser capturada pelo bloco governamental, reproduzindo o mesmo problema democrático identificado no texto original do PLC n. 16/2025.

 

VI.           DA ADMISSÃO E EXCLUSÃO DE MEMBROS

 

26.      Na LC n. 251/2010, a composição do COMDEMA possui dispositivos que garantem flexibilidade e autonomia ao conselho para decidir sobre sua própria renovação e representatividade. O § 2º do art. 10 previa a possibilidade de a Plenária admitir novas entidades da sociedade civil, desde que legalmente constituídas e com pelo menos um ano de atividades comprovadas no município. Já o § 4º do mesmo artigo atribuía ao próprio COMDEMA a competência de deliberar, por iniciativa própria ou por requerimento de interessado, sobre a inclusão ou exclusão de entidades ou órgãos como membros do colegiado. Esses dispositivos asseguravam que a composição não fosse estática, permitindo a entrada de novos atores sociais e o controle, pelo próprio conselho, sobre quem deveria integrar sua estrutura, em consonância com o princípio da participação plural e dinâmica.

27.      O Projeto de LC n. 16/2025 revoga expressamente esses dois dispositivos. Com isso, o COMDEMA perde a prerrogativa de deliberar sobre a inclusão de novas entidades e sobre a exclusão de membros já existentes. Na prática, deixa de existir a previsão legal que permitia à sociedade civil organizada ampliar sua representação no conselho mediante aprovação da Plenária, assim como desaparece a competência autônoma do órgão de gerir sua própria composição.

28.      Não obstante, o texto das Mensagens 1 e 2 restaurou esses dispositivos.

 

VII.         DEMOCRACIA AMBIENTAL E CLIMÁTICA

 

29.      A CF/88 desenhou um modelo de democracia que se ancora não apenas na representação política tradicional, mas também na participação direta da sociedade civil nos assuntos públicos. Esse arranjo ganha concretude na seara ambiental, em razão da natureza difusa e intergeracional do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da CF/88). Daí decorre a noção de democracia ambiental e climática, que articula os princípios democráticos com a proteção socioambiental e climática, assegurando que as decisões públicas sejam tomadas com ampla inclusão social e participação cidadã.

30.      O artigo 225, caput, da CF/88 estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Essa disposição constitucional é singular porque, diferentemente de outros dispositivos que concentram nos órgãos estatais a proteção de direitos fundamentais, o art. 225 atribui expressamente à coletividade o dever de proteger o meio ambiente, ao lado do Estado.

31.      Essa escolha normativa revela uma concepção participativa e corresponsável da tutela ambiental. O constituinte reconheceu que a defesa do meio ambiente não pode ser monopólio do Poder Público, mas deve ser exercida também pela sociedade civil, por meio de canais institucionais que assegurem sua participação ativa nos processos decisórios. Nesse sentido, a participação popular não é apenas um direito, mas também um dever constitucional que garante legitimidade às políticas ambientais e assegura que elas reflitam a diversidade de interesses e saberes sociais.

32.      A democracia ambiental, como sublinha Éric Pommier[2], não se limita a um adereço institucional, mas constitui um imperativo político que redistribui o poder de decisão em matéria ambiental, deslocando o eixo de um modelo estritamente representativo para uma forma de democracia deliberativa, na qual os cidadãos participam de maneira informada e direta das escolhas que afetam os bens comuns. Michel Prieur[3] reforça essa visão ao destacar que a democracia ambiental exige que o público não seja apenas eleitor, mas agente ativo de transformação, influenciando de forma substancial o destino dos recursos naturais e a qualidade do ambiente em que vive.

33.      Nesse mesmo sentido, Shutkin propõe uma reconcepção da própria ideia de democracia, integrando-a ao princípio da justiça ambiental. Para ele, a democracia só é efetiva quando garante reconhecimento, tratamento equitativo e responsabilidade deliberativa, o que significa que as instituições devem operar com base em informação acessível, diálogo público qualificado e inclusão de grupos historicamente marginalizados[4]. Esses elementos são justamente os pilares da democracia participativa no campo ambiental: a redistribuição do poder decisório, a integração de comunidades vulnerabilizadas e o reconhecimento de que o meio ambiente é condição de exercício dos demais direitos fundamentais.

34.      A democracia ambiental, portanto, manifesta-se como expressão máxima da democracia participativa, na qual o debate público não é meramente simbólico, mas sim vinculante. O processo decisório deve ser informado, inclusivo e equitativo, de modo a assegurar que as vozes historicamente silenciadas – povos indígenas, comunidades tradicionais, populações periféricas e minorias raciais – tenham acesso efetivo às arenas institucionais de decisão. Assim, o exercício dos direitos procedimentais – acesso à informação, participação e justiça – transforma-se em instrumentos de reconhecimento político e redistribuição de poder, corrigindo assimetrias estruturais e promovendo justiça socioambiental 

35.      Por essa razão, os conselhos gestores ambientais são expressão privilegiada da democracia ambiental e climática: neles se realizam os elementos centrais da democracia participativa – pluralidade, inclusão, diálogo informado e corresponsabilidade. Reduzir a presença da sociedade civil nesses espaços ou esvaziar sua capacidade de influenciar decisões não apenas viola o art. 225 da CF/88, mas também desfigura a essência da democracia participativa, tornando-a um mecanismo formal sem substância.

36.      Na ADPF n. 623, o STF examinou a reconfiguração da composição e do processo decisório do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), promovida pelo Decreto n. 9.806/2019. A Corte entendeu que a redução da participação da sociedade civil no conselho violava a própria essência da democracia participativa ambiental, ao transformar o órgão em instância hegemonicamente controlada pelo Poder Executivo. O STF enfatizou que o CONAMA, por acumular funções consultivas e deliberativas, não poderia ser reduzido a mero espaço formal, pois sua natureza é a de “autêntico fórum público de criação de políticas ambientais amplas e setoriais”. Nesse contexto, a democracia ambiental revelou-se como dimensão procedimental da Constituição, exigindo pluralidade, igualdade política e efetiva participação dos cidadãos nas decisões ambientais.

37.      Ainda na ADPF n. 623, o STF destacou que a participação da sociedade civil em órgãos colegiados ambientais é uma decorrência direta do art. 225 da CF/88, que impõe à coletividade e ao Estado o dever compartilhado de proteger o meio ambiente. Ao restringir desproporcionalmente essa participação, o Executivo incorreu em retrocesso institucional e socioambiental, afrontando o núcleo essencial da democracia ambiental. A decisão reconheceu, assim, que a arquitetura constitucional brasileira não admite a concentração unilateral de poder na gestão de bens ambientais, pois isso esvazia o projeto democrático de corresponsabilidade.

38.      Na ADPF n. 651, o STF foi novamente chamado a analisar decretos que limitaram a participação da sociedade civil em colegiados ambientais federais. A Corte reafirmou que a democracia ambiental exige não apenas a abertura formal de espaços de consulta, mas também a garantia de participação efetiva e paritária da coletividade, em condições de influenciar substancialmente os processos decisórios. Ao invalidar os atos que esvaziavam a presença social nesses espaços, o Tribunal consolidou o entendimento de que a exclusão ou marginalização da sociedade civil frustra a opção constitucional pela democracia participativa em matéria ambiental, violando também os princípios da igualdade e da vedação ao retrocesso.

39.      O conjunto dessas decisões evidencia que a democracia ambiental e climática é princípio constitucional vinculante, não mera diretriz política. O STF reconheceu que os conselhos ambientais representam uma expressão institucionalizada da democracia participativa, em que o debate público deve ocorrer em bases plurais, inclusivas e equitativas. A partir dessas ADPFs, a Suprema Corte estabeleceu que qualquer tentativa de reduzir a presença ou a influência da sociedade civil em colegiados ambientais fere diretamente a Constituição e compromete a legitimidade das políticas de proteção ao meio ambiente e ao clima.

40.      Já a IACtHR, em seu PC-32/2025, enfatizou que a emergência climática deve ser enfrentada à luz da democracia e dos direitos de procedimento, destacando que a participação pública é uma das condições para a legitimidade e eficácia das políticas climáticas. A Corte afirmou que o direito à participação, ao lado do acesso à informação e do acesso à justiça, constitui o núcleo dos chamados direitos de procedimento e que sua violação compromete não apenas a governança ambiental, mas também a proteção de diversos direitos substantivos, como vida, saúde e integridade pessoal.

41.      Nesse parecer, a Corte vinculou expressamente a democracia participativa à necessidade de processos decisórios inclusivos, transparentes e paritários em matéria ambiental e climática. Sublinhou que os Estados não podem estruturar órgãos de governança ambiental de modo a marginalizar a sociedade civil, pois isso contradiz a própria lógica da democracia interamericana, fundada na pluralidade e na corresponsabilidade. Assim, a democracia participativa foi reconhecida como dimensão essencial do cumprimento dos artigos 1.1, 2, 23 e 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Convenção Americana). Destaca-se que o Estado brasileiro, em todas as suas esferas e níveis federativos, encontra-se vinculado ao entendimento e à jurisprudência consolidados pela IACtHR, por meio de seu controle de convencionalidade, conforme já reiteradamente asseverado pelo STF.

42.      Além disso, a Corte destacou que a democracia participativa em matéria climática não se esgota na abertura formal de canais de consulta. Ela exige garantir condições reais de influência nos processos decisórios, com especial atenção para grupos em situação de vulnerabilidade, como povos indígenas, crianças, comunidades afrodescendentes e populações camponesas, que sofrem de forma desproporcional os impactos da crise climática. Essa interpretação reforça o dever dos Estados de desenhar instituições ambientais paritárias e representativas, como os conselhos gestores, que funcionem como arenas efetivas de deliberação e não como instâncias controladas pelo Executivo.

42.      Por fim, o PC-32/25 reconheceu que a democracia participativa é um elemento transversal da resposta estatal à emergência climática, devendo orientar tanto a formulação de políticas públicas quanto a implementação de medidas concretas de mitigação e adaptação. A Corte deixou claro que, no Sistema Interamericano, a participação pública em matéria climática é uma obrigação jurídica e não uma opção política, estando vinculada à proteção do direito ao meio ambiente saudável e ao direito a um clima estável.

 

VIII.        DA VIOLAÇÃO À VEDAÇÃO DO RETROCESSO EM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS E AMBIENTAIS

 

43.      A análise do PLC n. 16/2025, mesmo após as alterações promovidas pelas Mensagens Modificativas 1 e 2, evidencia que a proposta legislativa incorre em grave violação ao princípio da vedação ao retrocesso em matéria de direitos fundamentais, especialmente aqueles relacionados à democracia ambiental, à participação social e à proteção do meio ambiente. Trata-se de um retrocesso institucional incompatível com a CF/88, com a jurisprudência consolidada do STF e com os parâmetros obrigatórios do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

44.      A CF/88 consagra a proteção progressiva dos direitos fundamentais, impedindo o esvaziamento de mecanismos que asseguram sua efetividade. Em matéria ambiental e climática, tal garantia é ainda mais robusta, porque o art. 225 da CF/88 estabelece um dever compartilhado entre o Estado e a coletividade na proteção do meio ambiente, criando um modelo jurídico que exige participação ativa e contínua da sociedade civil.

45.      O STF, em diversos precedentes, já reconheceu a vedação ao retrocesso como parâmetro constitucional de proteção de direitos fundamentais, impedindo que estruturas institucionais que garantem a participação democrática sejam enfraquecidas ou suprimidas.

46.      No campo ambiental, essa proteção é particularmente expressiva: a política ambiental brasileira estrutura-se sobre pilares de participação, transparência e controle social. Qualquer intervenção legislativa ou normativa que reduza esses elementos incorre em retrocesso proibido.

47.      O PLC n. 16/2025 altera significativamente a composição e o funcionamento do COMDEMA, órgão colegiado responsável por funções consultivas, normativas, fiscalizatórias e deliberativas na política ambiental do município. As mudanças representam uma desconstrução direta de garantias já consolidadas, configurando um retrocesso institucional vedado. Os principais pontos de retrocesso são:

 

a.    A quebra da paridade e a subordinação da sociedade civil ao Executivo

 

48.      A ampliação do número de representantes do Poder Executivo – de 3 para 18 – transforma o COMDEMA de um órgão plural e participativo para um colegiado hegemonicamente governamental. A sociedade civil, que antes detinha a maioria e o protagonismo, torna-se minoria absoluta. Esse deslocamento rompe o modelo democrático-participativo que a LC n. 251/2010 havia construído ao longo de mais de uma década.

49.      A perda da paridade reduz a efetividade da participação e produz um retrocesso qualitativo e quantitativo, pois:

·       reduz o peso decisório da sociedade civil;

·       impede a influência real dos segmentos representados;

·       compromete a pluralidade do debate público;

·       converte um colegiado de controle social em órgão dependente do Executivo.

 

b.    A captura política da diretoria do COMDEMA

 

50.      Ainda que a segunda Mensagem Modificativa tenha revisto a redação do art. 14, a mudança não restaura o modelo original no qual a diretoria era formada exclusivamente pela sociedade civil. Ao permitir que representantes do Executivo – já majoritários – concorram e ocupem a presidência e a vice-presidência, o projeto centraliza o comando político do conselho nas mãos do governo, esvaziando o caráter democrático do órgão.

51.      Essa alteração, aparentemente intermediária, produz um retrocesso substantivo, pois elimina salvaguardas institucionais que protegiam a autonomia e a independência do COMDEMA.

 

c.    A restrição da publicidade e da transparência

 

52.      Ao suprimir a obrigatoriedade de publicação da composição do conselho em jornal de grande circulação, o PLC n. 16/2025 reduz a visibilidade e o conhecimento público sobre os atos de gestão ambiental. A participação social pressupõe informação acessível, ampla e tempestiva. A restrição imposta pelo projeto fragiliza esse direito e constitui um retrocesso em matéria de transparência ativa.

 

d.    A desconsideração de obrigações internacionais

 

53.      O PC-32/2025 da IACtHR reconhece que a participação ambiental e climática é uma obrigação jurídica dos Estados e que os órgãos ambientais devem ser estruturados de forma plural, inclusiva e paritária. Ao marginalizar a sociedade civil, o PLC n. 16/2025 viola o dever de progressividade dos direitos humanos previsto nos arts. 1.1, 2, 23 e 26 da Convenção Americana.

54.      O retrocesso institucional promovido pelo projeto, portanto, não é apenas restrito ao ordenamento jurídico nacional, mas também internacionalmente incompatível com o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.

 

e.    A jurisprudência do STF e a vedação ao retrocesso em conselhos ambientais

 

55.      O STF consolidou jurisprudência específica sobre retrocesso em colegiados ambientais. Nas ADPFs n. 623 e n. 651, a Corte:

·       invalidou atos que reduziram a participação da sociedade civil no CONAMA;

·       afirmou que conselhos ambientais são espaços essenciais da democracia participativa;

·       reconheceu que a participação social é elemento integrante do art. 225 da CF/88;

·       proibiu retrocessos que esvaziem tais instâncias.

56.      No caso do PLC n. 16/2025, as alterações propostas produzem exatamente o tipo de retrocesso reprimido pelo STF:

·       concentração de poder no Executivo;

·       redução da pluralidade decisória;

·       eliminação do protagonismo da sociedade civil;

·       enfraquecimento do controle social sobre a política ambiental.

57.      Em todas essas dimensões, o PLC n. 16/2025 colide frontalmente com a jurisprudência constitucional brasileira.

58.      Neste sentido, o PLC n. 16/2025 não melhora, não aperfeiçoa, nem amplia direitos ambientais e de participação. Pelo contrário:

·       reduz canais democráticos;

·       concentra poder no Executivo;

·       diminui a publicidade dos atos administrativos;

·       enfraquece o controle social;

·       desfigura um conselho ambiental estruturado pela sociedade há mais de uma década;

·       e viola normas constitucionais e internacionais obrigatórias.

59.      Trata-se de um retrocesso claro, direto e substancial no campo dos direitos ambientais e dos direitos humanos de participação, incompatível com o Estado Democrático de Direito.

 

IX.           DA INCONSTITUCIONALIDADE DO PLC N. 16/2025

 

a. Violação do art. 225 da CF/88 supressão da democracia ambiental

 

60.      O art. 225 da CF/88 impõe dever compartilhado entre Estado e sociedade civil na proteção do meio ambiente. Reduzir ou fragilizar a participação popular em órgãos de governança ambiental viola diretamente esse dispositivo.

61.      No PLC n. 16/2025:

·       aumento de 3 para 18 representantes do Executivo, tornando a sociedade civil minoritária;

·       captura da direção do conselho pelo Executivo (mesmo após a Mensagem 2, que não restaura o protagonismo social).

62.      Isso contraria o núcleo da democracia ambiental, como reconhecido pelo STF na ADPF n. 623 e na ADPF n. 651.

 

b.    Violação do núcleo essencial do direito de participação (art. 1º, parágrafo único; art. 5º, XXXIII; art. 37, caput; art. 225 da CF/88)

 

63.      A participação social em matéria ambiental não é faculdade: é um direito fundamental procedimental, composto por:

·       acesso à informação,

·       participação efetiva,

·       acesso à justiça.

64.      O PLC n. 16/2025 viola esse direito ao:

·       quebrar a paridade entre sociedade civil e governo;

·       restringir a publicidade das decisões ao suprimir a publicação em jornal (violando transparência ativa);

·       permitir que o Executivo controle a diretoria do COMDEMA (pela sua maioria interna), mesmo após as mensagens.

65.      Essas medidas comprometem o exercício pleno do direito de participação e, portanto, são inconstitucionais por violarem direitos fundamentais procedimentais reconhecidos pelo STF e pela IACtHR.

 

c.    Violação da vedação ao retrocesso socioambiental

 

66.      O STF afirma, nas ADPFs n. 623 e n. 651, que órgãos colegiados ambientais não podem sofrer retrocessos deliberados que reduzam a participação da sociedade civil.

67.      O PLC n. 16/2025 configura retrocesso porque:

·       elimina a maioria social no COMDEMA;

·       altera a estrutura da diretoria para permitir que o Executivo a controle;

·       reduz a transparência do processo de composição do conselho.

68.      Mesmo com as Mensagens 1 e 2, o retrocesso permanece: a sociedade civil perde protagonismo e o Executivo passa a deter controle numérico e político do órgão.

 

d.    Violação do princípio da separação dos poderes e da autonomia dos conselhos (art. 2º e art. 37, caput, da CF/88)

 

69.      Conselhos de políticas públicas, especialmente ambientais, possuem natureza autônoma e deliberativa.

70.      Ao concentrar no Executivo:

·       a indicação da maioria dos conselheiros;

·       a provável ocupação da presidência e vice-presidência por sua bancada;

·       a redução da pluralidade interna;

71.      o PLC n. 16/2025 subordina o órgão ao Executivo, violando:

·       a separação de funções de controle social;

·       a estrutura participativa prevista na LC n. 251/2010;

·       o caráter deliberativo e autônomo do COMDEMA.

 

e.    Violação da Convenção Americana de Direitos Humanos (arts. 1.1, 2, 23 e 26) e da PC-32/2025

 

72.      A PC-32/2025 afirma que:

·       a democracia climática é obrigação jurídica dos Estados;

·       a participação popular deve ser efetiva, paritária e influente;

·       estruturas de governança ambiental não podem marginalizar a sociedade civil.

73.      O PLC n. 16/2025 e suas Mensagens:

·       concentram poder político no Executivo;

·       reduzem a capacidade decisória da sociedade civil;

·       violam padrões internacionais vinculantes.

74.      Assim, o projeto viola obrigações internacionais do Brasil – às quais o Município está vinculado pelo pacto federativo.

 

f.     Violação da publicidade e transparência (art. 5º, XXXIII; art. 37, caput da CF/88)

 

75.      O PLC n. 16/2025:

·       retira a exigência de publicação em jornal de grande circulação, mantendo apenas o Diário Oficial.

76.      Isso reduz o alcance e a visibilidade dos atos de homologação do COMDEMA, violando:

·       o princípio da publicidade;

·       o dever de transparência ativa;

·       o direito de acesso à informação.

 

g.    Violação da isonomia (art. 5º, caput, da CF/88)

 

77.      A composição original do COMDEMA assegurava:

·       diversidade;

·       pluralidade;

·       representação social equilibrada.

78.      O PLC n. 16/2025 cria privilegiamento do Executivo, que passa a deter:

·       maioria automática;

·       capacidade de influenciar a diretoria;

·       poder de dominância nas votações.

79.      Isso cria um desequilíbrio injustificado e viola o tratamento igualitário entre os atores sociais envolvidos na governança ambiental.

 

h.    Violação do princípio da motivação dos atos administrativos (art. 37, caput, da CF/88)

 

80.      As Mensagens Modificativas:

·       não apresentam justificativa suficiente para a ampliação de cadeiras do Executivo;

·       não demonstram necessidade técnica;

·       tampouco atendem ao interesse público primário.

81.      A falta de motivação adequada torna o ato administrativo inconstitucional e ilegal.

 

i.      Violação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade

 

82.      A ampliação de 3 para 18 cadeiras do Executivo:

·       não é razoável;

·       não atende a parâmetro técnico algum;

·       não guarda proporcionalidade com a estrutura do órgão;

·       compromete a efetividade do controle social.

83.      É medida desproporcional, arbitrária e inconstitucional, por violar parâmetros já reconhecidos pelo STF nos casos CONAMA e outros colegiados.

 

j.      Violação da vedação ao retrocesso em matéria de direitos humanos e ambientais

 

84.      A pretensão modificativa da ordem legal pretendida pelo PLC n. 16/2025 e as Mensagens Modificativas implicam em retrocesso, pois:

·       reduz a participação da sociedade civil no COMDEMA, eliminando garantias já consolidadas;

·       concede hegemonia ao Executivo e compromete a paridade;

·       permite controle da diretoria pelo governo, enfraquecendo a autonomia do conselho;

·       restringe a transparência e o acesso à informação.

·       viola o art. 225 da CF/88 e a jurisprudência do STF sobre democracia ambiental;

·       contraria padrões internacionais de participação previstos na OC-32/2025.

 

X.             RECOMENDAÇÕES

 

85.      Diante da análise jurídica realizada, conclui-se que o PLC n. 16/2025, ainda que alterado pelas Mensagens Modificativas 1 e 2 encaminhadas pela Prefeitura, permanece materialmente incompatível com a CF/88, com a legislação infraconstitucional vigente, com a jurisprudência do STF e com as obrigações internacionais assumidas pelo Estado brasileiro no Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

86.      As alterações propostas para a composição e o funcionamento do COMDEMA representam um grave retrocesso institucional e vulneram o núcleo essencial da democracia participativa, elemento estruturante da governança ambiental e climática no Brasil.

87.      O projeto afronta diretamente o art. 225 da CF/88, que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever compartilhado de preservar o meio ambiente, o que exige a manutenção de órgãos deliberativos com participação social efetiva e não meramente simbólica. A ampliação desproporcional do número de representantes do Poder Executivo – de 3 para 18 – rompe a paridade histórica do COMDEMA e submete a sociedade civil a uma posição minoritária e politicamente irrelevante dentro do colegiado.

88.      Tal alteração esvazia a função constitucional dos conselhos ambientais como espaços de controle social e de tomada de decisão plural, em violação ao princípio democrático, à isonomia, à proporcionalidade e à vedação ao retrocesso socioambiental. O STF, nas ADPFs n. 623 e n. 651, consolidou entendimento segundo o qual o Estado não pode reduzir ou esvaziar a participação da sociedade civil em órgãos ambientais, sob pena de violar a Constituição. O PLC n. 16/2025 contraria frontalmente tais precedentes.

89.      As Mensagens Modificativas não corrigem os vícios. Embora restabeleçam a possibilidade de inclusão e exclusão de entidades pelo próprio COMDEMA e alterem novamente a redação sobre a eleição da diretoria, não restauram o protagonismo da sociedade civil, nem corrigem a quebra de paridade. Permitem que a direção do conselho seja capturada pela ampla maioria governamental e mantêm a concentração de poder decisório no Executivo, o que subverte a natureza deliberativa e contramajoritária do órgão.

90.      O projeto também viola os princípios da transparência e da publicidade, ao restringir a divulgação das decisões do conselho ao Diário Oficial, reduzindo o alcance social da informação e violando o art. 5º, XXXIII, e o art. 37, caput, da CF/88. Soma-se a isso a ausência de motivação técnica adequada para justificar as mudanças profundas na estrutura do conselho, o que torna o projeto igualmente contrário aos princípios da motivação, da razoabilidade e da finalidade.

91.      Em âmbito internacional, o PLC n. 16/2025 viola a Convenção Americana e a PC-32/2025 da Corte Interamericana, que reconhecem a participação pública como obrigação jurídica em matéria ambiental e climática, exigindo órgãos deliberativos paritários, inclusivos e representativos. Ao marginalizar a sociedade civil, o projeto coloca o Município de Piracicaba em desacordo com obrigações internacionais vinculantes, às quais se submete pelo pacto federativo.

92.      O PLC n. 16/2025 representa um evidente retrocesso institucional e normativo ao desmantelar garantias já consolidadas de participação social no COMDEMA, ao conceder hegemonia decisória ao Poder Executivo, ao fragilizar a autonomia da diretoria, ao reduzir a transparência e ao comprometer o controle social da política ambiental. Tais alterações violam o art. 225 da CF/88, afrontam precedentes vinculantes do STF – que vedam retrocessos na participação em conselhos ambientais – e contrariam parâmetros internacionais, como a PC-32/2025 da IACtHR. Por esse conjunto de violações, o projeto incorre em inconstitucionalidade material e não pode prosperar.

93.      Diante de todos esses fundamentos – inconstitucionalidade material, contrariedade à jurisprudência constitucional, violação de direitos fundamentais procedimentais, afronta às normas internacionais e grave retrocesso democrático e socioambiental – a presente Nota Técnica recomenda, de forma categórica e inequívoca, a rejeição integral do PLC n. 16/2025 pela Câmara.

94.      Sua aprovação representaria um retrocesso institucional incompatível com o Estado Democrático de Direito e comprometeria a legitimidade, a pluralidade e a efetividade da política ambiental municipal.

 

XI.           REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 31 de outubro de 1988. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: <https://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.

 

BRASIL. Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. 06 de novembro de 1992. Brasília: Diário Oficial da União, 1992. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>.

 

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 623/DF. Relatora Ministra Rosa Weber. 22 de maio de 2023. Brasília: STF, 2023.

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 651/DF. Relatora Ministra Cármen Lúcia. 28 de abril de 2022. Brasília: STF, 2022.

 

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Emergência Climática e Direitos Humanos. Parecer Consultivo PC-32/25 de 29 de maio de 2025. Série A No. 32, parágrafo 458. Disponível em: <https://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_32_esp.pdf>.

 

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à Participação nos Conselhos Ambientais e o Acordo Regional de Escazú. 2019.

 

PIRACICABA. Lei Complementar n. 251, de 12 de abril de 2010. Piracicaba: Câmara Municipal de Vereadores, 2010. Disponível em: <https://siave.camarapiracicaba.sp.gov.br/arquivo?Id=205203>.

 

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POMMIER, Éric. La démocratie environnementale – préserver notre part de la nature. Paris: Presses Universitaires de France, 2022.

 

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SHUTKIN, William A. The Concept of Environmental Justice and a Reconception of Democracy. Virginia Environmental Law Journal, v. 14, n. 4, 1995, pp. 579-588. Disponível em: <https://heinonline.org/HOL/P?h=hein.journals/velj14&i=589>.

 



[1]          Sugestão de citação: XAVIER, Enéas. Nota técnica do Projeto de Lei Complementar n. 16/2025 – análise dos impactos ao exercício da democracia participativa no Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba. Instituto Aimara de Defesa e Educação Ambiental. Piracicaba, 18 de novembro de 2025.

[2]          POMMIER, Éric. La démocratie environnementale – préserver notre part de la nature. Paris: Presses Universitaires de France, 2022, p. 20, 30-31.

[3]          PRIEUR, Michel. Démocratie et droit de l'environnement et du développement. Revue Juridique de l'Environnement, n. 1, 1993, pp. 23-30, p. 27, https://doi.org/10.3406/rjenv.1993.2922.

[4]          SHUTKIN, William A. The Concept of Environmental Justice and a Reconception of Democracy. Virginia Environmental Law Journal, v. 14, n. 4, 1995, pp. 579-588, p. 579-580, https://heinonline.org/HOL/P?h=hein.journals/velj14&i=589