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sexta-feira, 16 de maio de 2025

Desmatamento em Queda, Clima em Alerta: A Nova Face da Degradação Ambiental no Brasil

 

Por Dorgival Santos Silva, Enéas Xavier, Mateus Gosser, Thiago Assis Brito de Souza O ano de 2024 marcou um avanço expressivo na política ambiental brasileira, especialmente no que se refere à contenção do desmatamento. Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam que a taxa de desmatamento na Amazônia Legal caiu 30,6% entre agosto de 2023 e julho de 2024, totalizando 6.288 km², o menor valor desde 2019. No Cerrado, a taxa foi de 8.174 km², representando uma redução de 25,7% em comparação ao ano anterior[1]. Esses números refletem os esforços do governo federal para reestruturar os sistemas de fiscalização e retomar políticas públicas de conservação, interrompidas ou enfraquecidas em anos anteriores.

 

Foto: Vinicius Mendonça/Ibama

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A redução abrangeu todos os principais biomas, com exceção da Mata Atlântica, que apresentou estabilidade após já ter registrado quedas importantes em 2023. Ainda assim, o Cerrado se manteve como o bioma mais ameaçado, concentrando mais da metade do total desmatado no país. A região do Matopiba — acrônimo para Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia — destacou-se negativamente, respondendo por cerca de 42% do desmatamento nacional, pressionada pela expansão agropecuária e grilagem de terras[5].

 

Apesar da tendência positiva nos dados agregados, o panorama permanece delicado diante da intensificação dos eventos climáticos extremos, que vêm se convertendo em vetores de degradação ambiental. Em 2024, o Brasil enfrentou uma das mais severas secas em décadas, impulsionada pela combinação entre o fenômeno El Niño e o aquecimento global. As consequências foram devastadoras: propagação descontrolada de incêndios florestais, aumento de áreas degradadas e colapso de ecossistemas frágeis.

 

Segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, entre janeiro e meados de setembro de 2024, foram registrados 820 focos críticos de incêndio nos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal. Desses, 71% já haviam sido controlados ou extintos até setembro, graças à atuação conjunta das Forças Armadas, do Ibama, do ICMBio e de brigadistas locais[2]. Ainda assim, a área queimada foi imensa, alcançando a extensão do território da Itália, por exemplo[6]. A severidade e a rapidez com que o fogo se alastrou revelam um novo padrão de impacto ambiental associado à mudança do clima[6].

 

Os incêndios, intensificados pela seca prolongada e por temperaturas recordes, afetaram inclusive áreas de floresta úmida tradicionalmente menos suscetíveis ao fogo, como o oeste do Amazonas. No Pantanal, a estiagem histórica transformou áreas antes alagadas em combustível natural, gerando destruição em larga escala da fauna e flora nativas[7]. O resultado foi a perda de grandes extensões de cobertura vegetal sem necessariamente serem precedidas de desmatamento legal ou ilegal — um fenômeno que evidencia a transição de uma lógica de supressão de vegetação para uma de degradação climática.

 

Além das queimadas e secas prolongadas, os eventos climáticos extremos também têm provocado desmatamento indireto por meio de deslizamentos de terra e enchentes. No Rio Grande do Sul, por exemplo, as chuvas intensas entre abril e maio de 2024 causaram um aumento de dez vezes no desmatamento associado a eventos extremos, em comparação com o ano anterior. Segundo o Relatório Anual do Desmatamento (RAD) do MapBiomas, foram registradas 627 ocorrências desse tipo no estado, resultando na perda de 2.800 hectares de vegetação nativa, especialmente na Mata Atlântica. Esse impacto foi tão significativo que impediu uma redução de 20% no desmatamento do bioma em 2024, mantendo-o praticamente estável em relação a 2023. A maior parte da destruição ocorreu devido a deslizamentos de terra, e áreas alagadas que posteriormente secaram não foram contabilizadas, apesar dos danos à vegetação.  Esse cenário evidencia como as mudanças climáticas estão criando novos vetores de degradação ambiental, exigindo estratégias de monitoramento e mitigação que considerem não apenas ações humanas diretas, mas também os efeitos indiretos dos desastres naturais.

 

A devastação ambiental ocasionada pelos incêndios tem múltiplas implicações. Em primeiro lugar, amplia a emissão de gases de efeito estufa (GEE). Conforme os dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), em 2023 o Brasil emitiu aproximadamente 2,3 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente, sendo que 46% dessas emissões se originaram do uso da terra, sobretudo do desmatamento e da degradação florestal[3]. Em termos absolutos, essa categoria foi responsável por 1,06 bilhão de toneladas de CO₂e — o que isoladamente colocaria o Brasil como o oitavo maior emissor global. Trata-se de uma contradição estrutural: enquanto o país avança na redução da taxa de desmatamento, ele continua exposto a emissões massivas decorrentes da queima involuntária ou criminosa de vegetação nativa.

 

Enchente em Porto Alegre, 05/05/2024. Foto:  Ricardo Stuckert
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Além dos impactos sobre o clima e a biodiversidade, os eventos extremos também têm gerado consequências sociais e econômicas severas. Estudo recente do ClimaInfo estima que os desastres climáticos custaram mais de R$ 700 bilhões às cidades brasileiras entre 2013 e 2024, entre prejuízos materiais, deslocamentos populacionais e danos à infraestrutura urbana[4]. Os incêndios e enchentes afetam principalmente populações vulneráveis — indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares — que muitas vezes são invisibilizados pelas políticas públicas e têm pouca capacidade adaptativa.


 

A conjunção entre desmatamento, eventos extremos e desigualdade revela a necessidade urgente de se integrar a política ambiental com a política climática. Combater o desmatamento é condição necessária, mas não suficiente. É preciso investir em ações estruturantes de adaptação, fortalecer os sistemas de alerta e resposta a desastres, recuperar áreas degradadas com soluções baseadas na natureza, e revalorizar o papel das comunidades locais na gestão territorial. Isso inclui o reconhecimento de territórios indígenas, a proteção de unidades de conservação e o financiamento adequado para políticas de prevenção a queimadas.

 

Se 2024 foi um ano de esperança renovada com a queda nas taxas de desmatamento, ele também expôs com nitidez a fragilidade das conquistas diante da emergência climática. A governança ambiental brasileira entra em uma nova etapa, em que o foco deve se expandir da contenção da perda florestal para a construção de um modelo climático e ecológico de resiliência. O futuro da floresta — e o cumprimento das metas brasileiras no Acordo de Paris — dependerá da capacidade do país em responder, de forma articulada e contínua, a esse duplo desafio.

 

Notas de rodapé

[1] INPE. "Taxa de desmatamento na Amazônia cai 30,6% e 25,7% no Cerrado". MMA, 06 nov. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/noticias/taxa-de-desmatamento-na-amazonia-cai-30-6-e-25-7-no-cerrado

[2] MMA. "Governo Federal já controlou ou extinguiu 70% dos incêndios". SECOM, 15 set. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2024/09/governo-federal-ja-controlou-ou-extinguiu-70-dos-incendios-na-amazonia-pantanal-e-cerrado

[3] Observatório do Clima. SEEG 2023 – Relatório de Emissões. Disponível em: https://seeg.eco.br

[4] ClimaInfo. "Prejuízo das cidades com desastres climáticos supera R$ 700 bi em 12 anos". 14 mai. 2025. Disponível em: https://climainfo.org.br/2025/05/14/prejuizo-das-cidades-com-desastres-climaticos-supera-r-700-bi-em-12-anos

[5] MapBiomas. Relatório Anual de Desmatamento 2024. Disponível em: https://plataforma.alerta.mapbiomas.org

[6] El País. "Los incendios se disparan en Brasil y en 2024 quemaron una superficie equivalente a Italia". 22 jan. 2025. Disponível em: https://elpais.com/america/2025-01-22/los-incendios-se-disparan-en-brasil-y-en-2024-quemaron-una-superficie-equivalente-a-italia.html

[7] IPAM. "Como o desmatamento contribui para as mudanças climáticas". Disponível em: https://ipam.org.br/entenda/como-o-desmatamento-contribui-para-as-mudancas-climaticas

[8] MapBiomas. Desmatamento caiu em todos os biomas brasileiros em 2024. Publicado em 15 de maio de 2025. Disponível em: https://brasil.mapbiomas.org/2025/05/15/mapbiomas-desmatamento-caiu-em-todos-os-biomas-brasileiros-em-2024

[9]: ((O))ECO. Chuvas aumentaram em 10 vezes o desmatamento causado por eventos extremos no RS. Publicado em 15 de maio de 2025. Disponível em: https://oeco.org.br/noticias/chuvas-aumentaram-em-10-vezes-o-desmatamento-causado-por-eventos-extremos-no-rs