por Thiago Assis Brito de Souza, e
Enéas Xavier de Oliveira Jr.
Nas últimas semanas, o Conselho
Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba (COMDEMA) ocupou
posição de destaque na cena política e jurídica do município. O motivo foi a
apresentação do Projeto de Lei Complementar nº 16/2025,
encaminhado pelo Poder Executivo, que busca alterar profundamente a composição
e a estrutura diretiva do colegiado. A proposta pretende ampliar de três para
dezoito o número de representantes do Executivo no Conselho e retirar da
sociedade civil a prerrogativa de eleger a presidência e a vice-presidência,
entregando tais cargos diretamente ao governo municipal.
Essa iniciativa gerou imediata reação da
sociedade civil organizada, de entidades representativas, da Comissão do Meio
Ambiente da OAB de Piracicaba, do Ministério
Público do Estado de São Paulo e também do próprio COMDEMA. A
justificativa oficial da Prefeitura sustenta que a modificação teria como
finalidade assegurar a chamada “paridade” entre governo e sociedade civil,
argumento que tem sido amplamente contestado por se apoiar em números frágeis e
desconsiderar a estrutura histórica de predominância social prevista na Lei Complementar nº 251/2010.
O embate ganhou intensidade quando o
projeto foi incluído na pauta de votação da Câmara de Vereadores no dia 11 de setembro de 2025. No entanto, após a emissão de uma Recomendação Administrativa do Ministério Público, que apontou
riscos de retrocesso democrático e ambiental, o presidente da Câmara, vereador Rerlison Rezende (PSDB), decidiu retirar o PLC da ordem do dia.
A sessão da Câmara foi marcada por forte mobilização social, com o plenário
lotado – principalmente por assessores e indicados pelo Executivo na tentativa
de inviabilizar a participação popular na Casa do Povo. Mesmo representantes da
OAB e do COMDEMA enfrentaram dificuldades no acesso à Câmara. A retirada do
projeto da pauta expôs a fragilidade política do PLC nº 16/2025
diante da pressão institucional e social, reforçando a importância da
democracia participativa e da legitimidade histórica do COMDEMA como espaço de
diálogo e fiscalização.
O Instituto Aimara
destaca-se como um dos principais articuladores da resistência, produzindo
fundamentação jurídica qualificada, mobilizando entidades parceiras e
defendendo a preservação da autonomia do Conselho frente às tentativas de
captura política. Nossa principal preocupação é a defesa da democracia
ambiental e dos direitos de participação no COMDEMA, com a manutenção da
sociedade piracicabana como protagonista do debate ambiental.
Nesse cenário, torna-se indispensável
compreender o que é o COMDEMA, sua trajetória, suas funções e competências, bem
como analisar os impactos potenciais da aprovação do projeto de lei. Ao mesmo
tempo, é fundamental destacar as manifestações das instituições envolvidas — o próprio Conselho, a OAB, o Ministério Público e o Instituto Aimara
—, que convergem no sentido de apontar a inconstitucionalidade e o retrocesso
representado pela proposta. A disputa em torno do PLC nº 16/2025 não se
restringe a uma mudança legislativa específica, mas se insere em um debate mais
amplo sobre os limites da intervenção do Executivo na governança ambiental e
sobre a necessidade de resguardar a democracia ambiental e
climática como garantia fundamental da coletividade.
1. O que é
o COMDEMA?
O COMDEMA
foi criado pela Lei Municipal nº 4.233, de 27 de dezembro de 1996, e
consolidado posteriormente na Lei Complementar nº 251, de 12 de abril de 2010,
que reúne a legislação ambiental do município. Trata-se de um órgão colegiado
de caráter consultivo e deliberativo, integrante do Sistema Municipal de Meio
Ambiente, com a função de formular, acompanhar e avaliar políticas ambientais
em âmbito local. Desde sua criação, o COMDEMA tem se consolidado como um espaço
institucional de diálogo entre o Poder Público e a sociedade civil organizada,
conferindo legitimidade às decisões ambientais e fortalecendo a democracia
participativa no município.
2. Quais são
as finalidades e funções do COMDEMA?
A principal
finalidade do COMDEMA é promover a discussão, análise e proposição de
diretrizes das políticas públicas ambientais de Piracicaba. O Conselho atua em
diversas áreas, entre as quais se destacam o planejamento urbano e ambiental, o
uso e a ocupação do solo, a gestão de resíduos, os recursos hídricos, a
arborização urbana, a poluição sonora e visual, bem como o saneamento básico.
Entre suas
atribuições, cabe destacar: o estudo e a proposição de políticas ambientais e
de recursos naturais; o estabelecimento de normas e padrões de qualidade
ambiental; a recepção de denúncias da população e encaminhamento para os órgãos
competentes; a proposição de medidas de recuperação de áreas degradadas; a
deliberação sobre estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA) para licenciamento
municipal; a proposição de unidades de conservação municipais; a homologação de
acordos que transformem multas ambientais em medidas de recuperação; além da
realização de audiências públicas sobre projetos de relevante impacto
ambiental. Essas competências reforçam o caráter híbrido do órgão, que exerce
tanto funções consultivas, emitindo pareceres e recomendações, quanto deliberativas,
com decisões que afetam diretamente o processo de gestão ambiental do
município.
3. Qual a
importância do COMDEMA?
A
importância do COMDEMA de Piracicaba reside na sua função de controle social e
participação democrática. Ao integrar representantes do Poder Público e da
sociedade civil, o Conselho garante que diferentes interesses, preocupações e
perspectivas estejam presentes na formulação das políticas ambientais. Esse
arranjo reforça a transparência e amplia a legitimidade das decisões, além de
funcionar como mecanismo de prevenção de danos, já que o COMDEMA delibera sobre
empreendimentos e projetos de impacto ambiental antes que estes sejam
executados.
Na prática,
o Conselho já se manifestou sobre projetos de ocupação do solo, sobre a
supressão de árvores em áreas urbanas, sobre propostas legislativas municipais
relacionadas à proteção ambiental e sobre iniciativas de valorização da
cidadania ambiental, como o Prêmio Destaque Ambiental, que reconhece práticas
exemplares de proteção ao meio ambiente desenvolvidas por escolas, empresas e
cidadãos do município.

4. Qual é a
estrutura e composição do COMDEMA?
O COMDEMA é
composto atualmente por 21 cadeiras, divididas entre representantes do Poder
Público e da sociedade civil.
No âmbito
do Poder Público, integram o Conselho: a Prefeitura de Piracicaba, por meio de
suas secretarias com interface ambiental (como a Secretaria de Defesa do Meio
Ambiente e outras áreas técnicas), além de órgãos estaduais e de fiscalização,
como a Polícia Ambiental e a CETESB.
Já a sociedade
civil participa por meio de entidades ambientalistas, associações de bairro,
representantes de classe profissional, instituições acadêmicas e de pesquisa,
além de representantes do setor produtivo. Essa pluralidade assegura uma
composição paritária, que impede a concentração de poder em apenas um setor.
A estrutura
interna do COMDEMA é organizada em três instâncias: a Plenária, composta por
todos os conselheiros, responsável por aprovar pareceres, deliberações e
moções; a Diretoria, formada por presidente, vice-presidente e secretário,
encarregada da condução administrativa e da representação oficial; e as Câmaras
Técnicas e Comissões Especiais, criadas para o aprofundamento de temas
específicos e elaboração de pareceres técnicos.
Os
conselheiros têm mandato de dois anos, sendo as reuniões do Conselho
ordinárias, abertas ao público e realizadas mensalmente, geralmente na segunda
segunda-feira de cada mês. Esse formato garante transparência, assegura o
direito de voz à população e reforça o papel do COMDEMA como espaço democrático
e participativo na governança ambiental local.
5. O que é o Projeto
de Lei Complementar nº 16/2025
Em agosto
de 2025, o Prefeito Municipal de Piracicaba encaminhou à Câmara de Vereadores o
Projeto de Lei Complementar nº 16/2025, que propõe alterações significativas na
Lei Complementar nº 251/2010, responsável por consolidar a legislação ambiental
do município. A proposta tem como eixo central a modificação da composição e da
estrutura diretiva do COMDEMA, além da revisão de dispositivos sobre o processo
de homologação dos conselheiros e exclusão de artigos do texto legal anterior .
Entre as
mudanças mais relevantes, o projeto prevê que o Plenário do COMDEMA passe a
contar com 18 representantes do Poder Executivo, todos indicados diretamente
pelo Prefeito Municipal. Tal medida altera profundamente o equilíbrio vigente,
uma vez que o conselho até então possuía forte predominância da sociedade
civil. A justificativa apresentada pelo Executivo sustenta que a modificação
buscaria garantir a chamada paridade entre governo e sociedade civil, afirmando
que, como atualmente há 18 conselheiros da sociedade civil, seria necessário
igualar o número de representantes governamentais para assegurar equilíbrio na
composição .
Outra
alteração importante introduzida pelo PLC 16/2025 diz respeito à Diretoria do
COMDEMA. Pela proposta, o Presidente do colegiado deixaria de ser eleito entre
os conselheiros da sociedade civil, passando a ser exercido automaticamente
pelo Secretário Executivo de Meio Ambiente. O cargo de Vice-Presidente seria
destinado a um representante do Poder Público, escolhido por votação secreta
entre os conselheiros, e os cargos de Primeiro e Segundo Secretários ficariam
reservados a representantes da sociedade civil, também eleitos por escrutínio
secreto. Além disso, o projeto prevê que os secretários sejam apoiados por
técnicos da Secretaria Executiva de Meio Ambiente para execução dos trabalhos
administrativos .
No tocante
à formalização da composição, o projeto simplifica o processo de homologação, determinando
que a nomeação dos conselheiros seja publicada apenas no Diário Oficial do
Município, revogando a exigência anterior de divulgação em jornal de grande
circulação local. Também são revogados os §§ 2º e 4º do art. 10 e o art. 42 da
Lei Complementar nº 251/2010, dispositivos que tratavam da admissão e exclusão
de entidades da sociedade civil no conselho, o que pode reduzir a margem de
atuação autônoma do próprio COMDEMA sobre sua composição .
A exposição
de motivos do projeto sublinha que a prática de vincular a presidência de
conselhos ambientais ao gestor público é adotada em esferas superiores, como o CONAMA
(Conselho Nacional do Meio Ambiente) e o CONSEMA (Conselho Estadual de Meio
Ambiente), e que a medida reforçaria a institucionalidade. Ainda assim, a
proposta tem suscitado preocupações no âmbito da sociedade civil organizada,
pois pode resultar em maior controle do Executivo sobre o conselho, reduzindo a
independência de suas deliberações e enfraquecendo a tradição de protagonismo
social que marcou a trajetória do COMDEMA de Piracicaba.
Em síntese,
o PLC nº 16/2025 se apresenta como um ponto de inflexão na história do
Conselho: de um lado, o Executivo municipal sustenta que promove a paridade e a
eficiência administrativa; de outro, críticos apontam riscos de centralização e
esvaziamento da participação democrática no campo da governança ambiental.
6. O que o
COMDEMA diz sobre o PLC nº 16/2025?
No dia 29
de agosto de 2025, o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de
Piracicaba – COMDEMA, no exercício de suas atribuições legais e regimentais,
apresentou manifestação contrária ao Projeto de Lei Complementar nº 16/2025,
que visa alterar a Lei Complementar nº 251/2010, reguladora da composição e
funcionamento do colegiado. O posicionamento foi subscrito por seu presidente,
Odair Geraldo Penha Moral, e fundamenta-se em aspectos jurídicos, democráticos
e constitucionais.
O primeiro
ponto destacado pelo Conselho diz respeito à equivocada concepção de paridade
defendida pela proposta. O Executivo argumenta que o COMDEMA deveria ser
paritário, com 18 representantes da sociedade civil e 18 do governo. Contudo,
conforme a legislação vigente, a composição total da sociedade civil
corresponde a 16 cadeiras específicas (distribuídas entre entidades de defesa
ambiental, associações de moradores, universidades, sindicatos, setor produtivo
e entidades culturais e patrimoniais). Assim, o número utilizado na
justificativa oficial carece de clareza e consistência, o que compromete a
legitimidade da proposta.
Outro
fundamento central é que a paridade numérica não equivale à equidade
democrática. O Poder Público, por dispor de estrutura técnica e profissional,
já se encontra em situação de vantagem para ocupar e influenciar colegiados,
sobretudo porque suas representações são remuneradas e exercidas em horário de
expediente. Assim, igualar numericamente os representantes não garante
equilíbrio real, mas aprofunda o desequilíbrio de condições entre Estado e
sociedade civil. Além disso, a tentativa de atribuir automaticamente a presidência
do COMDEMA ao Secretário Executivo de Meio Ambiente contraria o processo
eleitoral anteriormente validado pelo próprio secretário, que participou e
anuiu com a eleição da mesa diretora. Essa medida, portanto, afronta a
alternância democrática e enfraquece a representatividade plural do colegiado.
A
manifestação também enfatiza a violação de parâmetros normativos e
constitucionais. Cita-se a 2ª Conferência Nacional das Cidades, que fixou
diretriz de composição dos conselhos em 40% de representantes do Poder Público
e 60% da sociedade civil. O PLC nº 16/2025 ignora essa proporção, além de
revogar dispositivos da Lei Complementar nº 251/2010 que tratavam da exclusão
de entidades e pessoas participantes, ampliando o poder discricionário do
Executivo e fragilizando a independência do Conselho. Da mesma forma, a
revogação do art. 42 da lei municipal é considerada um retrocesso
institucional, sem motivação clara e objetiva, em desacordo com o art. 225 da
Constituição Federal e com o princípio da vedação ao retrocesso ambiental, já
reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, notadamente no voto do Min. Celso de
Mello na ADI 3540/DF.
O COMDEMA
também alerta que a alteração pode inviabilizar o licenciamento ambiental em
âmbito municipal. A Deliberação Normativa nº 01/2024 do CONSEMA exige que
conselhos municipais sejam de caráter “normativo e deliberativo”. Se a
presidência e a vice-presidência forem concentradas no Executivo — justamente o
setor interessado e fiscalizado nos processos de licenciamento —, restará
comprometida a lisura e a independência da fiscalização ambiental.
Por fim, a
manifestação recorda a trajetória histórica do COMDEMA, que há quase três
décadas atua na defesa do meio ambiente em Piracicaba. O colegiado já foi
reconhecido com nota máxima no programa Município VerdeAzul e recebeu o Prêmio
Chico Mendes da Câmara Municipal em 2025, exemplos de sua relevância como
instrumento de controle social. A aprovação do PLC nº 16/2025, segundo o
Conselho, transformaria um espaço democrático e deliberativo em um órgão
meramente consultivo ou decorativo, esvaziando sua função constitucional.
Em
conclusão, o COMDEMA sustenta que a proposta representa um retrocesso
democrático e socioambiental, afronta o art. 225 da Constituição Federal, o
art. 193 da Constituição Estadual de São Paulo e a jurisprudência do STF (ADPF
747/2020 e ADI 6357/2020), e, por isso, deve ser integralmente rejeitada.
7. O que a Comissão
do Meio Ambiente da OAB Piracicaba diz sobre o PLC nº 16/2025?
A Comissão
de Meio Ambiente e Direito Urbanístico da 8ª Subseção da Ordem dos Advogados do
Brasil em Piracicaba apresentou, em 11 de setembro de 2025, manifestação formal
sobre o Projeto de Lei Complementar nº 16/2025, que altera a composição e a
estrutura do COMDEMA. A análise realizada pela entidade destaca, de forma
contundente, os riscos institucionais, jurídicos e democráticos que decorrem da
aprovação da proposta.
O primeiro
eixo de crítica refere-se à concentração excessiva de poder no Executivo
municipal. Segundo a Comissão de Meio Ambiente da OAB, a estrutura desenhada pelo PLC nº 16/2025 resultaria
em um desequilíbrio grave na governança ambiental local, na medida em que
transfere a presidência e a vice-presidência do Conselho para cargos indicados
diretamente pelo Prefeito. Essa mudança retira da sociedade civil a
prerrogativa de participar de forma paritária e efetiva das instâncias de
direção do colegiado. Na avaliação da Comissão, essa centralização viola
princípios constitucionais e ambientais fundamentais, como o Princípio da
Participação, que garante voz ativa à sociedade civil nos processos de decisão,
e o Princípio da Informação e da Publicidade, que exigem transparência e
pluralidade nos atos de gestão ambiental. Soma-se a isso a violação ao Princípio
da Não Regressão Ambiental, que impede a supressão de níveis de proteção já
conquistados ao longo dos anos.
O segundo
aspecto destacado pela Comissão de Meio Ambiente da OAB é a restrição objetiva da participação social no
âmbito do COMDEMA. A Comissão ressalta que o Conselho, ao longo de mais de três
décadas, consolidou-se como um espaço deliberativo e consultivo, que representa
a sociedade civil e contribui ativamente para a formulação das políticas
públicas ambientais do município. Ao retirar a possibilidade de eleição da
presidência e da vice-presidência pelos próprios conselheiros, o PLC reduz a
autonomia do colegiado e transforma-o em um órgão vulnerável à vontade do
Executivo. A consequência prática dessa alteração é a diminuição do pluralismo
de pautas: segundo a OAB, as questões levadas à deliberação tenderão a refletir
prioritariamente os interesses e prioridades do Prefeito e de sua equipe,
deixando em segundo plano as demandas históricas da sociedade civil organizada
em defesa do meio ambiente .
Um terceiro
fundamento de mérito diz respeito à incompatibilidade do PLC com diretrizes
nacionais sobre participação social em conselhos ambientais. A Comissão recorda
que a 2ª Conferência Nacional das Cidades estabeleceu, como parâmetro, a
composição de 60% de representantes da sociedade civil e 40% de representantes
do Poder Público nos conselhos ambientais. Essa regra busca assegurar a
efetividade do controle social, considerando as limitações estruturais que a
sociedade civil enfrenta em comparação com o Estado. Ao impor uma suposta
“paridade” entre Executivo e sociedade civil, o projeto desvirtua esse
equilíbrio recomendado em âmbito nacional e amplia o poder discricionário do
Prefeito, rompendo com padrões democráticos de governança ambiental e
administrativa.
A análise
da Comissão também enfatiza o retrocesso democrático e socioambiental representado
pela proposta. A entidade ressalta que o COMDEMA, em mais de trinta anos de
existência, foi construído como um espaço democrático, plural e de defesa da
coletividade e da natureza. O colegiado tem histórico de atuação reconhecida,
com a elaboração de pareceres técnicos relevantes e a fiscalização de ações do
Poder Público e do setor privado, sendo peça central da política ambiental
piracicabana. O PLC nº 16/2025, ao fragilizar a autonomia do Conselho,
compromete essa trajetória e ameaça transformar o COMDEMA em mero órgão
decorativo, esvaziando seu caráter deliberativo e reduzindo a participação
popular em um campo sensível, que envolve o direito fundamental ao meio
ambiente equilibrado.
Por fim, a Comissão fundamenta sua rejeição ao projeto na proteção constitucional do
meio ambiente. O parecer invoca expressamente o artigo 225 da Constituição
Federal, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.
Qualquer medida legislativa que implique redução injustificada dos mecanismos
de proteção ambiental, como a retirada de autonomia do COMDEMA, deve ser
considerada inconstitucional. A Comissão, assim, manifesta-se claramente
contrária à aprovação do PLC nº 16/2025, afirmando que ele representa ameaça
direta ao texto constitucional, além de comprometer a continuidade de um modelo
de gestão ambiental baseado em democracia participativa e controle social.
Em síntese,
a análise de mérito da OAB Piracicaba conclui que o PLC nº 16/2025 fere
princípios jurídicos fundamentais, afronta diretrizes nacionais de participação
social, promove retrocesso democrático e ambiental, e viola a Constituição
Federal. Por esses motivos, a entidade manifesta-se de forma inequívoca pela
rejeição da proposta e pela preservação do modelo democrático e participativo
que caracteriza historicamente o COMDEMA.
8. O que Ministério
Público diz sobre o PLC nº 16/2025?
A manifestação do Ministério Público do Estado de São
Paulo, por meio do GAEMA (Grupo de Atuação Especial de
Defesa do Meio Ambiente – Núcleo PCJ-Piracicaba) e da Promotoria
de Justiça de Meio Ambiente de Piracicaba, sobre o PLC nº 16/2025, é bastante contundente.
O Ministério Público entende que o
projeto representa um retrocesso democrático e socioambiental,
centralizando indevidamente as decisões ambientais no Poder Executivo municipal
e fragilizando a independência do COMDEMA. A crítica se fundamenta em
diferentes pontos.
Em primeiro lugar, destaca-se que a paridade não pode ser reduzida ao mero número de cadeiras entre
sociedade civil e Poder Público. A autonomia da presidência e da
vice-presidência é essencial para assegurar efetiva influência da sociedade
civil na pauta e na condução dos trabalhos. A imposição automática da
presidência ao Executivo, segundo o MP, desvirtua a representatividade do
colegiado e gera um conflito de interesses, pois coloca o
ente que licencia e fiscaliza como dirigente do órgão que deveria exercer
controle social sobre suas próprias ações.
Em segundo lugar, o MP aponta que o
projeto desrespeita diretrizes nacionais de participação social,
em especial a Resolução da 2ª Conferência Nacional das Cidades
(CONCIDADES), que recomenda a composição de 60% de representantes da
sociedade civil e 40% do Poder Público nos conselhos ambientais. O PLC nº
16/2025 amplia a participação do Executivo, invertendo essa proporção e
comprometendo a pluralidade democrática.
Outro ponto enfatizado é que a revogação de dispositivos da Lei Complementar nº 251/2010, como
o §4º do art. 10 e o art. 42, aumenta o poder discricionário do Executivo,
reduz a transparência e fragiliza o controle social sobre áreas estratégicas,
incluindo a gestão de resíduos sólidos e a limpeza pública. Essa supressão de
garantias procedimentais é considerada um retrocesso incompatível com o art. 225 da Constituição Federal e com a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, que consolidou a vedação ao retrocesso
ambiental.
O MP também alerta que a Deliberação
Normativa nº 01/2024 do CONSEMA exige que os conselhos municipais de
meio ambiente mantenham caráter normativo e deliberativo como condição para que
os municípios possam realizar licenciamento ambiental. A concentração de poder
no Executivo fragilizaria esse requisito, colocando em risco a legalidade e a
validade dos licenciamentos municipais.
Por fim, a recomendação sublinha que o
COMDEMA tem uma trajetória de quase três décadas de relevância, legitimada por
reconhecimentos institucionais como a nota máxima no programa Município
VerdeAzul e o Prêmio Chico Mendes concedido pela
própria Câmara de Vereadores em 2025. O esvaziamento do Conselho significaria
desprezar essa história e comprometer a governança ambiental do município.
Em conclusão, o Ministério
Público considera que o PLC nº 16/2025 é inconstitucional e ilegal em seu
mérito, por violar os princípios da participação social, da publicidade,
da prevenção, da não regressão e da democracia participativa. Recomenda,
portanto, que o projeto seja retirado, e que qualquer futura alteração da
composição ou atribuições do COMDEMA seja previamente submetida ao próprio
Conselho e discutida em audiência pública ampla,
garantindo transparência, publicidade e participação popular efetiva.
9. O que o
Instituto Aimara diz sobre o PLC nº 16/2025?

O Instituto
Aimara de Defesa e Educação Ambiental tem posição contrária ao PLC nº 16/2025 e
às alterações propostas na Lei Complementar nº 251/2010. O Instituto sustenta
que o projeto viola princípios constitucionais, infraconstitucionais e
compromissos internacionais do Brasil, com argumentos organizados em diferentes
eixos.
· - Quebra da
paridade e esvaziamento da democracia ambiental
O Instituto
Aimara destaca que a atual Lei Complementar nº 251/2010 assegura predominância
da sociedade civil no COMDEMA, com 16 cadeiras distribuídas entre entidades
ambientalistas, associações de moradores, universidades, sindicatos, setor
produtivo e entidades culturais, enquanto o Poder Executivo conta com apenas 3
representantes. O PLC nº 16/2025 amplia os assentos do Executivo para 18,
superando os da sociedade civil e invertendo o arranjo original. Esse redesenho
é classificado como uma quebra da paridade, que transforma a participação
social em “aparência democrática”, um simulacro de participação que compromete
o núcleo da democracia participativa .
· - Presidência
e vice-presidência controladas pelo Executivo
Outro ponto
central é a alteração da diretoria do COMDEMA. Pela lei atual, presidente,
vice-presidente e secretário são eleitos entre os representantes da sociedade
civil. O projeto, contudo, transfere automaticamente a presidência ao
Secretário Executivo de Meio Ambiente e reserva a vice-presidência também ao
Poder Público, deixando à sociedade civil apenas cargos secundários de
secretaria. Na análise do Instituto, isso elimina o protagonismo da sociedade
civil na condução do conselho, subordina o colegiado ao Executivo e compromete
sua autonomia institucional .
· - Revogação
de dispositivos que asseguravam pluralidade e renovação
O Instituto
também aponta que o PLC revoga o §2º e o §4º do art. 10 da Lei Complementar nº
251/2010, que permitiam a admissão de novas entidades da sociedade civil e a
exclusão de membros pela própria plenária do Conselho. Além disso, extingue o
art. 42, que criava o Conselho de Controle Social do Serviço de Limpeza Urbana.
Essas mudanças, no entendimento do Instituto, representam restrição da
pluralidade, enfraquecimento do controle social e perda de instrumentos de
fiscalização popular em áreas críticas como a gestão de resíduos sólidos .
· - Violação a
direitos fundamentais e compromissos internacionais
A posição
do Instituto ressalta que a supressão da participação social fere diretamente o
art. 225 da Constituição Federal, que atribui ao Estado e à coletividade o
dever de proteger o meio ambiente. Argumenta ainda que a alteração afronta a
jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (ADPF 623 e ADPF 651),
que reconheceu a participação social em conselhos ambientais como parte
essencial da democracia participativa, e desrespeita a Opinião Consultiva nº
32/2025 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que consagrou os direitos
de acesso à informação, participação e justiça como núcleo da proteção
ambiental e climática .
· - Democracia
ambiental e climática como cláusula de não retrocesso
O Instituto
Aimara enraíza sua análise na noção de democracia ambiental e climática,
vinculada ao art. 225 da Constituição e à jurisprudência interamericana. Para a
entidade, os conselhos gestores ambientais são a expressão máxima da democracia
participativa, pois permitem diálogo plural, inclusivo e vinculante. Retirar ou
enfraquecer esse espaço significa um retrocesso socioambiental vedado pelo
direito constitucional e internacional, violando o princípio da não regressão
ambiental e afetando a legitimidade das políticas públicas locais.
Em
conclusão, o Instituto Aimara considera o PLC nº 16/2025 inconstitucional e
ilegítimo, por romper com a paridade, retirar da sociedade civil a condução do
conselho, restringir a pluralidade de sua composição e afrontar tanto a
Constituição quanto compromissos internacionais. A entidade sustenta que a
proposta representa um grave retrocesso democrático e socioambiental, capaz de
esvaziar a democracia participativa e enfraquecer a governança climática e
ambiental no município de Piracicaba.
10. A inclusão
e retirada do PLC nº 16/2025 na pauta da Câmara de Vereadores
No dia 11 de setembro de
2025, o Projeto de Lei Complementar nº 16/2025,
que pretendia alterar a composição e a direção do COMDEMA em Piracicaba, chegou
a ser incluído na pauta de votação da Câmara Municipal. No entanto, poucas horas antes da
votação, o Ministério Público do Estado de São Paulo expediu uma Recomendação Administrativa
dirigida à Câmara e ao Prefeito, sustentando que a tramitação do projeto
configurava risco de retrocesso democrático e ambiental.
O documento alertava que o PLC concentrava poder no Executivo, reduzia a
representatividade da sociedade civil e afrontava princípios constitucionais
como os da participação popular, publicidade, transparência e
vedação ao retrocesso ambiental. Além disso, os promotores assinalaram
que a vinculação automática da presidência do COMDEMA ao Executivo criava um conflito de interesses, uma vez que o mesmo ente responsável
por licenciar e fiscalizar atividades ambientais passaria a dirigir o órgão
colegiado fiscalizador.
Diante da recomendação, o presidente da Câmara, vereador Rerlison Rezende (PSDB), decidiu
retirar o PLC nº 16/2025 da pauta da sessão
extraordinária. A decisão foi anunciada no início da noite e acompanhada por
forte mobilização popular, com o plenário cheio de cidadãos preocupados com os
rumos da política ambiental do município. Em nota oficial, a Câmara confirmou
que acataria integralmente a recomendação do Ministério Público
e que a votação do projeto ficaria suspensa até que fosse realizada audiência pública específica, com ampla divulgação,
participação das entidades cadastradas, universidades e especialistas da área,
além do registro e publicação das manifestações colhidas.
Assim, o episódio marcou um ponto de inflexão no processo legislativo, evidenciando a força
da intervenção institucional do Ministério Público e a mobilização social em
torno da defesa da democracia ambiental. A retirada do PLC da pauta revelou, ao
mesmo tempo, a fragilidade política do projeto diante da pressão de órgãos de
controle e da sociedade civil, e a necessidade de que alterações na governança
ambiental municipal sejam precedidas de diálogo público qualificado e
fundamentado.