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segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Na Linha de Frente do Ambientalismo: a luta dos pescadores por justiça ambiental no Rio Piracicaba

por Thiago Assis Brito de Souza, Jurandir Silvestre e Danuta Hilaria Rodrigues  

APqC divulga nota sobre mortandade de peixes no Rio Piracicaba – O Presente  Rural

Um ano após a maior mortandade de peixes da história do rio, as famílias de 150 pescadores seguem sem renda e sem reparação. O Instituto Aimara atua na defesa dos atingidos.

Julho de 2024 marcou para sempre a história do Rio Piracicaba. O que antes era um curso d’água conhecido por sua importância ecológica e pelo sustento que garantia a centenas de famílias de pescadores transformou-se, de repente, em cenário de destruição. Estima-se que aproximadamente 100 toneladas de peixes tenham sido encontradas mortas ao longo do leito e das margens, em um desastre provocado pelo despejo de melaço e efluentes industriais da Usina São José S/A Açúcar e Álcool, conforme atribuem as investigações e autuações conduzidas pela CETESB e pelo Ministério Público.

Entre as espécies mais afetadas estavam curimbatás, dourados, piaus, traíras e lambaris — essenciais para o equilíbrio ecológico e para a subsistência das comunidades pesqueiras locais. O impacto foi devastador: aves, répteis e mamíferos que dependiam desses peixes começam a desaparecer da região, e populações já ameaçadas tiveram suas chances de sobrevivência ainda mais reduzidas.

A poluição afetou diretamente a vida de pescadores artesanais, ribeirinhos e comunidades tradicionais, que perderam sua principal fonte de renda, enfrentam insegurança alimentar e viram romper-se laços culturais construídos ao longo de gerações. Algumas famílias foram obrigadas a deixar suas casas, levando consigo apenas a lembrança do que foi a vida junto ao rio. Muitos adoeceram, física e emocionalmente, vivendo hoje à base de medicamentos.

 

A Carta Aberta: reivindicações gerais e visão de futuro

 

Em julho de 2025, por ocasião do aniversário de um ano da tragédia, o Instituto Aimara e a SOS Rio Piracicaba publicaram uma carta aberta listando reivindicações gerais e estruturais dos pescadores. O documento defende:

  • Restituição ecológica plena, com repovoamento por espécies nativas, recuperação da qualidade da água e das áreas degradadas, e retomada segura da pesca artesanal;
  • Reabilitação social e econômica, com programas de apoio psicossocial, capacitação e alternativas de geração de renda;
  • Compensação justa e proporcional, considerando os prejuízos econômicos, a redução da renda e o sofrimento moral imposto;
  • Reconhecimento oficial e retratação pública, incluindo pedidos de desculpas, cerimônias de memória ambiental e ações educativas;
  • Medidas estruturais de prevenção, como reforço da fiscalização, monitoramento contínuo da água e participação ativa de pescadores e ribeirinhos nas decisões que afetam o rio.

A carta também reforça que os pescadores do Rio Piracicaba são guardiões ambientais e defensores de primeira linha da biodiversidade, preservando saberes tradicionais e resistindo diariamente às pressões ambientais e econômicas.

 

A Atuação do Instituto Aimara: Organização, Defesa e Visibilidade

 

Neste primeiro semestre de 2025, o Instituto Aimara intensificou sua presença nas comunidades mais afetadas. Em Santa Maria da Serra, Piracicaba e São Pedro, seus representantes realizaram um levantamento sobre os impactos socioeconômicos desta tragédia com a família de 150 pescadores diretamente atingidos, garantindo informações e documentação para a instrução das investigações e futuras medidas de reparação. A atuação abrangeu:

  • Assessoria jurídica especializada — explicando direitos e precedentes, preparando casos e representando pescadores em audiências;
  • Articulação institucional — junto ao Ministério Público, CETESB, prefeituras e organizações da sociedade civil;
  • Mobilização e visibilidade — denunciando publicamente a falta de ação da Usina e pressionando por reparação imediata.

 

A Audiência no Ministério Público: diretrizes para o TAC e impasse com a Usina


Em 5 de agosto de 2025, o GAEMA/PCJ-Piracicaba convocou audiência na sede do Ministério Público do Estado de São Paulo. Estiveram presentes autoridades ambientais, representantes dos municípios atingidos, lideranças dos pescadores, o Instituto Aimara e os advogados Enéas Xavier, Rafael Azeredo e Letícia Helena Seguro, representando parte das comunidades afetadas.

A postura da Usina foi considerada evasiva: seu representante jurídico, Dr. Édson Ribeiro, declarou não ter poderes para decidir sobre um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e limitou-se a coletar informações para levar à diretoria. O Ministério Público manifestou preocupação com a ausência de um interlocutor com poder deliberativo, interpretando como sinal de desinteresse e descaso institucional.

Na ocasião, o MP apresentou diretrizes gerais para um eventual TAC, incluindo:

  • reparação integral e compensação ambiental e social;

  • proibição total de lançamento de efluentes no Ribeirão Tijuco Preto;

  • repovoamento de peixes no Rio Piracicaba e no Tanquã;

  • recuperação de áreas degradadas;

  • monitoramento ambiental por no mínimo 10 anos;

  • auxílio emergencial financeiro aos pescadores;

  • criação de um comitê gestor com participação comunitária;

  • multas diárias em caso de descumprimento;

  • destinação de valores para o Fundo Municipal de Meio Ambiente de Piracicaba.


 A CETESB, por meio de seu diretor de controle, Sr. Adriano de Queiroz, confirmou que a Usina é definitivamente responsável pelo desastre, que a multa de R$ 18 milhões aplicada tornou-se definitiva na esfera administrativa, e que não cabe mais recurso.


Foi aberto prazo para manifestação da Usina que, em 20 dias, deverá especificar se aceita, ou não, sentar-se à mesa para a negociação de um TAC. Ainda, a pedido dos advogados presentes, determinou-se que os representantes da Usina, em uma próxima reunião, comparecessem dotados de poderes suficientes para a realização de acordo.


A Voz dos Pescadores


Na audiência, as lideranças pesqueiras falaram em nome de 150 famílias que há mais de um ano vivem sem renda. Expuseram a paralisação da pesca, a insegurança alimentar e a necessidade urgente de:

  • Auxílio emergencial imediato;
  • Participação direta nas decisões e acompanhamento das medidas de reparação;
  • Compensação justa pelos danos materiais e morais;
  • Recuperação ambiental efetiva, com retorno seguro da pesca.

As lideranças pesqueiras relataram que há mais de um ano vivem sem renda, sobrevivendo de doações e empréstimos que começarão a ser cobrados em 2026. O advogado Rafael Azeredo reforçou que os pescadores buscam restituição do auxílio emergencial, lucros cessantes por até 9 anos e indenização por danos morais. Enéas Xavier alertou que os pescadores não querem privilégios, mas apenas o que a lei e a jurisprudência garantem às vítimas de tragédias similares.

Thábata Frias Patrezzi, representante da “Cidinha Escola Náutica Piracicaba”, destacou a queda brusca no turismo de pesca e o fechamento de pousadas no Tanquã, além da diminuição do fluxo migratório de peixes para reprodução. Ressaltou que o auxílio do governo estadual foi um empréstimo, e não ressarcimento.

 

A Luta Continua

 

Para os pescadores, cada dia sem pesca é mais um dia de fome e endividamento. Para o Instituto Aimara, cada dia sem solução é mais um dia de injustiça. O caso do Rio Piracicaba não é apenas sobre um desastre ecológico: é sobre o direito à vida digna de comunidades que há décadas protegem e dependem do rio.

O Instituto Aimara seguirá atuando — do campo às negociações — para garantir que essas vozes não sejam silenciadas e que a justiça ambiental prevaleça.


quinta-feira, 10 de julho de 2025

UM ANO DA MORTANDADE DE PEIXES NO RIO PIRACICABA

Por 

Gian Carlos Rodrigues Machado, Presidente da SOS Rio Piracicaba

Thiago Assis de Souza Brito, Presidente do Instituto Aimara de Defesa e Educação Ambiental

 

a carta pode ser acessada na sua integralidade clicando AQUI

  


  

 Há exato um ano, o Rio Piracicaba foi palco de um dos episódios mais graves de mortandade de peixes da sua história recente, escancarando a vulnerabilidade do ecossistema aquático regional e os impactos cumulativos da degradação ambiental. Estima-se que aproximadamente 100 toneladas de peixes tenham sido encontradas mortas ao longo do leito e das margens do rio durante o episódio de julho de 2024, configurando um dos maiores desastres ambientais da bacia. Entre as espécies mais afetadas estavam curimbatás, dourados, piaus, traíras e lambaris, essenciais para o equilíbrio ecológico e para a subsistência das comunidades pesqueiras locais.

A mortandade de peixes provocou um colapso na biodiversidade aquática do Rio Piracicaba – queremos crer que temporário! –, com efeitos em cadeia sobre o ecossistema. A poluição das águas afetou não apenas os peixes, mas também aves, répteis e mamíferos que deles se alimentavam, muitos dos quais desapareceram da região. Espécies ameaçadas tiveram suas populações ainda mais reduzidas, comprometendo a resiliência ecológica da bacia.

Tão grave quanto os impactos ao meio ambiente foram as consequências socioambientais desse desastre que ainda permanecem vivas. Pescadores artesanais, ribeirinhos e comunidades tradicionais que dependem diretamente do rio para sua subsistência ainda enfrentam sérias dificuldades para retomar suas atividades. A redução drástica da fauna aquática afetou diretamente a renda de dezenas de famílias, intensificou a insegurança alimentar e comprometeu laços culturais e modos de vida historicamente vinculados ao Rio Piracicaba.

Atualmente, não vemos mais a mesma quantidade de peixes e variações de espécies verificadas antes desta tragédia. Muitas famílias abandonaram seus lares e foram buscar a sorte noutros lugares. Trata-se de uma perda de identidade: carregam consigo a tristeza, a saudade do que um dia foi a vida junto ao rio, tudo que deixaram para trás para prover a subsistência de hoje. Muitos adoeceram e vivem hoje a base de medicamentos, com distúrbios e condições médicas especiais desenvolvidos a partir da tragédia, da incerteza do dia de amanhã.

As ações de socorro às famílias afetadas não foram suficientes para contornar os prejuízos. Os valores suplementares pagos a título de seguro defeso não chegaram a tempo e cessaram antes que a atividade de pesca pudesse ser restabelecida. Neste sentido, as linhas de crédito excepcionalmente disponibilizadas somente serviram ao endividamento, pois, sem a retomada da renda, as famílias não conseguem honrar seus compromissos. 

As organizações signatárias desta nota — Instituto Aimara e SOS Rio Piracicaba — manifestam profunda preocupação com o estado atual do rio e reiteram que a proteção dos recursos hídricos não pode ser dissociada da garantia de direitos humanos, em especial dos direitos de comunidades que historicamente foram marginalizadas no processo de tomada de decisão sobre o território.

É urgente reforçar a fiscalização ambiental e a punição de crimes ecológicos, com transparência nas apurações e adoção de medidas de reparação integral de todos os danos pelos responsáveis por essa tragédia. Neste sentido, entendemos que:

·      Deve-se adotar ações de restituição, compreendendo a restauração ecológica plena do rio, da fauna e flora, o que inclui o repovoamento com espécies nativas afetadas, além da recuperação da qualidade da água e das áreas degradadas próximas ao leito, a retomada das atividades tradicionais de pesca artesanal e o acesso livre e seguro ao rio pelas comunidades que dele dependem para subsistência e práticas culturais.

·      Há que se implementar medidas de reabilitação. As comunidades pesqueiras atingidas enfrentam não apenas perdas materiais, mas também danos emocionais, sociais e culturais. A reabilitação exige a implementação de programas de apoio psicossocial, além de ações de capacitação e reinserção produtiva, com vistas à geração de renda alternativa enquanto os estoques pesqueiros não são plenamente reconstituídos. A reabilitação deve ser construída com diálogo direto com os afetados, garantindo o respeito às suas tradições e modos de vida.

·      Há que se proceder à compensação, diante das perdas irreversíveis causadas pela mortandade, devendo-se assegurar indenizações justas e proporcionais às famílias atingidas, considerando os prejuízos econômicos decorrentes da interrupção da pesca, a redução da renda, a insegurança alimentar e o sofrimento moral imposto. A compensação deve respeitar critérios objetivos e transparentes, com participação das comunidades na definição dos parâmetros e nos processos de avaliação e distribuição.

·      Como forma de reconhecer a gravidade da violação e valorizar o sofrimento das populações impactadas, há que se realizar atos oficiais de retratação, com ampla divulgação das causas e responsabilidades da mortandade. Isso deve incluir pedidos públicos de desculpas, cerimônias de memória ambiental e ações educativas nas escolas da região, contribuindo para a reconstrução do vínculo entre a sociedade e natureza, e para o fortalecimento da cidadania ambiental.

·      Por fim, para que episódios semelhantes não se repitam, é essencial a implementação de medidas estruturais de prevenção, como o reforço da fiscalização ambiental, o monitoramento contínuo da qualidade da água, a responsabilização efetiva dos agentes poluidores e a revisão de políticas públicas que impactam a bacia hidrográfica. Além disso, devem ser criados mecanismos permanentes de participação social, assegurando que pescadores, ribeirinhos e organizações da sociedade civil tenham voz ativa nas decisões que afetam o rio e seu entorno.

As famílias tradicionais que vivem da pesca no Rio Piracicaba são as verdadeiras guardiãs do território e da biodiversidade. São elas que conhecem cada ciclo do rio, que preservam saberes ancestrais e que resistem, dia após dia, diante das pressões ambientais, econômicas e institucionais. Esses pescadores e pescadoras, muitas vezes invisíveis às políticas públicas, são também defensores ambientais de primeira linha e merecem nossa mais profunda admiração, respeito e reconhecimento. Proteger o rio é também proteger os modos de vida que dele dependem.

Relembrar este episódio não é apenas um exercício de memória, mas um chamado à ação. A crise ambiental do Rio Piracicaba deve ser tratada como um alerta para toda a sociedade e uma prioridade permanente na agenda dos governos. Que os nossos filhos e as futuras gerações possam desfrutar de um rio vivo e de toda a riqueza de sua biodiversidade.